É sabido que a esquerda apoiou criticamente (uns mais, outros menos) Dilma apenas para barrar o PSDB, o "mal maior" na visão de muitos. Esperavam os inocentes e incautos que fosse possível uma guinada à esquerda de Dilma e do PT, enquanto outros, mais espertos e pé no chão esperavam apenas barrar o PSDB para logo voltarem às ruas e à oposição.
Mas ambos, penso eu, esperavam ao menos uma mínima autocrítica por parte da militância petista, um arrefecimento do fanatismo desmedido e muitas vezes fascista (não era incomum ver governistas ensaiando um "VAI PM" enquanto militantes de esquerda eram brutalizados nas ruas pós-Junho). Esta autocrítica, porém, não virá.
A tosquice pós-eleitoral
A chamada Veja Governista (A Carta Capital, não o Brasil 247, que responde pela mesma alcunha) e seus jornalistas imediatamente saíram ou em defesa da "governabilidade", ou simplesmente resolveram combater o ódio com mais ódio.
Cynara Menezes, também conhecida pelos íntimos como Alucynara, imediatamente pôs-se ao trabalho atacando o eleitorado do PSDB. O que melhor para combater o ódio do que incitá-lo?
Eu tenho profundo horror ao PSDB e a tudo que ele representa, mas daí a atacar todo e qualquer eleitor do partido (até porque tenho vários amigos que preferiram votar no Aécio por centenas de razões diferentes e tenho por eles o maior respeito) vai uma distância imensa.
Na mesma leva há o Lino Bocchini (a quem respeito e nutro admiração, mas que entrou no jogo sujo de cabeça) que usou seu espaço na revista para dar um cala boca na esquerda e justificar previamente um possível ministério para o Kassab. O argumento é simples: Obrigado esquerda, já usamos vocês, agora caladinhos que temos de governar (com a direita, claro).
Ninguém à esquerda pode, porém, declarar ignorância ou surpresa. Depois de 4 anos de um governo que flertou com o fascismo não seriam diferentes as primeiras reações da linha de frente do governismo. Dou apenas estes dois exemplos porque circularam amplamente pelas redes, mas outros não faltam em perfis governistas que já se preparam para justificar tudo e qualquer coisa, ou melhor, para continuar a justificar qualquer coisa.
Este artigo do Lino, aliás, é o perfeito exemplo do que alerto há muito tempo, de que o combate ao "mal maior" no fim acaba sendo promotor deste mesmo mal. Como comentei no Facebook:
O governismo é um câncer. Durante as eleições era crime se recusar a votar n PT. Oras, anular seria despolitizado e ajudaria o Aécio, como se magicamente votos nulos virassem votos no PSDB. A chantagem e até as ameaças dominavam.E meu comentário foi como complemento a outro impecável do Bruno Cava, do qual copio trecho:
Dilma pagou de esquerda, atraiu incautos e inocentes que caíram no papo mole após 4 anos de um governo que chegou a flertar com o fascismo.
Agora, mais 4 anos garantidos Dilma e o PT não precisam mais sequer fingir ser de esquerda. Quem votou criticamente faça o favor de voltar pro lado de cá da trincheira e quem votou ACREDITANDO em uma mudança, por favor, cresça. Depois venha pra trincheira.
Mais uma vez tenho a certeza de que acertei ao me recusar a participar dessa farsa.
O texto chega a culpar o leitor, por ter votado mal pra deputado e senador.São dois exemplos (Lino e Alucynara) que ajudam a exemplificar que quando falamos de "ódio", este vem tanto da extrema-direita (e sim, de alguns ou mesmo muitos eleitores do PSDB) quanto da ex-querda (muitos alinhados oficial ou extra-oficialmente com o PT). Os discursos são os mesmos: Há um golpe em curso, quem não apoia o PT integralmente é "tucanalha e golpista", o PSOL é de direita, os "black bostas" são "tucanalhas", a mídia é malvada (pese ser financiada pelo PT), o judiciário/STF é malvado (pese a maioria absoluta do STF ter sido nomeada pelo PT)...
Diferente de quem entrou na campanha pra voltar às ruas no-dia-seguinte, conclui friamente que "o caminho passa por um debate político diário, maduro e que precisa ser feito à luz da realidade".
Da realidade, crianças, não de seus sonhos, ruas, lutas, pequenos partidos ou movimentos. Da realidade: o Michel Temer, o Kassab, a Kátia Abreu.
Reclamar disso virou "mimimi despolitizado".
Foi escrito por um dos editores.
A Carta Capital corre seriamente o risco de se tornar um panfleto governista.
Eleição vencida, o discurso é o mesmo.
O Pablo Ortellado fez um comentário importante:
Manifestação anti-Dilma ultraconservadora cheia de gente na Paulista. É bom assimilarmos a novidade e reagirmos rápido à ascensão poíltica dos conservadores. Não se trata mais de eleição, mas de domínio do discurso público -- o que em outros tempos chamaríamos de disputa por hegemonia. Estamos caminhando muito rapidamente para um cenário sombrio dominado por esses profetas do ódio.Mas não é tão simples a contra-mobilização. Junho foi um levante de esquerda que, pese infiltrado aqui ou ali por elementos de direita ou mesmo classe média sofre, impôs pautas que foram sumariamente ignoradas pelo PT. Por outro lado fica a questão: O que fazer, se quando a esquerda se mobiliza nas ruas é o PT que manda dar porrada ou se limita a aplaudir e oferecer tropas?
Como escrevi para o Amalgama, o petismo é também culpado por esse descaramento da extrema-direita.
E não, "reforma política" sem qualquer debate e através de um plebiscito não tem nada a ver com o que pediam as ruas, não passa de uma desculpa péssima e interessada do PT para fingir que escutou alguém.
Como esperar que a esquerda se levante contra a extrema-direita golpista se quando a esquerda se manifestou foi o próprio PT o primeiro a querer acabar com a festa?
E o PSDB?
Vimos setores absolutamente fascistas tentarem ocupar as ruas após as eleições. Ainda que apenas em São Paulo a manifestação pela volta à Ditadura tenha juntado mais de 100 pessoas, é preocupante.
Me recordo alguns anos atrás de ter gravado e fotografado manifestações da extrema-direita (E de ser ameaçado, claro). Pequenas, residuais, carregadas de ódio, de integralistas, nazistas, carecas e fascistas. Uma ou outra, porém, contava com o que podemos compreender como uma classe média raivosa. Mas sempre pequenas, quase residuais.
Esta não. Tomou corpo, junto pelo menos 2 mil pessoas. É assustador. Mais ainda porque sabemos que há muito mais gente que pensa (?) daquela forma.
E esta direita não saiu da toca de graça. Se é verdade que o PT tem responsabilidade na exacerbação do ódio pré e pós eleitoral pelas várias razões que dei neste e em outros artigos, o PSDB não deixa de ter sua imensa parte no bolo.
É verdade que setores amplos da extrema-direita passaram a apoiar o PSDB/Aécio apenas como forma de derrotar o PT, ou seja, não era em si por proximidade ideológica, mas na base do combate ao inimigo comum (oras, o que explica gente que bradava contra o Bolsa Família, vulgo Bolsa Esmola para esta gente, apoiar o PSDB que claramente defendia a manutenção do programa - e de outros?), porém o PSDB em momento algum buscou se desmarcar destes grupos e setores.
Pelo contrário, os alimentou.
A campanha suja não veio apenas do PT e de sua "militância" fanatizada, mas muito veio também das hostes tucanas nas redes e nas ruas. Veio dos tucanos orgânicos e dos tucanos de ocasião. Caberia ao PSDB deixar claro seu rechaço a estes setores, mas não o fez, pelo contrário, fez questão de usá-los.
Fez questão também de impor uma agenda francamente conservadora, como a defesa da redução da maioridade penal, algo que cai como uma luva para atiçar o discurso mais fascista possível, anti pobres, anti negros, francamente racista e reacionário.
E não nos esqueçamos, Coronel Telhada é tucano. Ele, assim como outros são a fina flor do fascismo e em momento algum foram desautorizados pelo PSDB pelas suas declarações por vezes criminosas. Se por um lado o PT tem um Stanley, o PSDB tem sua Deborah Albuquerque Chlaem. E nenhum dos lados se moveu para desautorizar ou desmentir o que
Por mais que seja legítimo - pese desesperado - da parte do PSDB exigir auditoria das urnas, tal pedido gera consequências, dentre elas a de incentivar setores fascistas e golpistas a reclamar de fraude e ganhar força. E o PSDB sabe disso, se aproveita disso.É responsável, como o PT, pelo clima de guerra no país.
Como bem comentou o Samuel Braun:
O movimento reaça se baseia numa falsa dicotomia, ele existe não por afirmação, mas por negação, sua identidade se baseia na sua obsessão, o PT e o que supõe que ele representa. O fato de muitos malucos projetarem suas fantasias num outro ente não faz deste ente o que eles pensam que ele seja. O fato de acharem o PT comunista, socialista, de esquerda, não prova nada quanto a ele ser alguma destas coisas. Só prova que "meia dúzia de muitos" pirados pensa assim. Assumir isso como parâmetro de verdade é fazer côro, indiretamente, com esses desmiolados. Mesmo que pra supostamente se opor a eles.Enfim, não podemos falar de surgimento da extrema-direita, mas sim, podemos dizer que esta saiu do armário de vez. Perdeu o medo e foi até mesmo incitada (analiso mais profundamente este fenômeno aqui). Da mesma forma que o congresso passou por uma readequação conservadora, estes perderam completamente a vergonha. O problema nem é, em si, este, mas que qualquer reação poderá ser criminalizada e brutalizada pelo partido que se diz de esquerda no poder, como aconteceu em Junho.
Defender o governismo como antagônico a essa esquizofrenia reacionária é legitimar a esquizofrenia. O oposto de reacionário não é conservador, ok? Existirem direitaços como Lobão e companhia não faz de Maluff, Katia Abreu, Vacarezza, Mercadante, Afif Domingos et caterva de esquerda não, beleza?
A esquerda encontra-se em uma encruzilhada difícil de superar, e o PT mais ainda. Para a esquerda, porém, a superação da encruzilhada passa por superar também o PT.
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Uma nota final: Os fascistas que tomaram um pedaço da paulista tem horror à democracia porque perderam, mas se aproveitam da existência da democracia para poder exigir seu fim... Não é irônico, é tosco.