terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Tunísia e possibilidade de "contágio": Um novo Oriente Médio?

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Muitos - tanto na grande mídia como na mídia cidadã - tem especulado sobre a possibilidade do ideal da revolução tunisiana se espalhar pelos demais países do Oriente Médio, notadamente o Egito e a Síria.

Não se pode negar a possibilidade de que eventos semelhantes ocorram - no egito um homem imolou-se no Cairo, repetindo o ato desesperado do jovem Mohamed Bouazizi, 26 anos, da cidade de Sidi Bouzid, "gatilho" para a revolução.

Os fatos por detrás do levante popular são conhecidos e vem sendo analisados exaustivamente pela mídia - aliás, recomendo a excelente cobertura que vem fazendo o pessoal do Global Voices - mas acredito que exista uma euforia um tanto quanto exagerada no que concerne o Oriente Médio como um todo.

Em primeiro lugar, sejamos francos, o povo efetivamente expulsou o ditador Ben Ali do país, mas o poder continua nas mãos de seus aliados. E exército ainda não tomou posição clara e o povo não está no poder ou sequer teve a oportunidade de votar - o que, também, não garante democracia.

Os protestos continuam no país, na busca de derrubar um governo de transição cujo controle está nas mãos dos mesmos que o povo derrubou, ou tentou derrubar. A revolução está ainda incompleta.

A situação atual é de anarquia, falta de controle e medo, apesar de ainda restar esperança.

A Tunísia é um país que dificilmente encontra paralelos na região. A Turquia talvez seja um dos raros países que poderiam servir como comparação - mas esta já é uma democracia, por mais que imperfeita.

Com um nível de laicismo semelhante talvez só a Síria, mas a agência oficial local sequer mencionou os recentes acontecimentos na tunísia e o blecaute informacional não deve cair tão cedo. E, diferentemente da Tunísia, a Síria pode invocar o inimigo externo (EUA e Israel) e mesmo um interno (a comunidade Curda no norte que já vive em situação perpétua de medo e sofrendo violações) na tentativa de repelir qualquer tipo de tentativa de desestabilização.


Isto significa que qualquer levante popular seria abafado ainda com mais veemência e brutalidade pela polícia -e provavelmente pelo exército -, sendo taxado de ação patrocinada pelos EUA - como tentou o governo iraniano acusar os "verdes" apoiadores de Moussavi.

O Irã, aliás, é um bom paralelo para a situação. O governo se manteve no poder, em parte, por conseguir unificar forças contra os manifestantes que, diziam, trabalhavam para os EUA. A tese do inimigo externo funcionou perfeitamente, ainda que não fosse inteiramente verdadeira. E, claro, trato aqui em termos simplistas, afinal seria preciso uma mobilização ainda mais forte para desestabilizar de forma efetiva o governo que tinha o exército e a Guarda Revolucionária ainda amplo apoio.


O governo da Tunísia, por outro lado, era aliado dos EUA, ou seja, não faria sentido em seus patrocinadores darem um golpe ou tramarem algo do tipo. Não que fosse impossível, mas ao menos não serve como desculpa para deslegitimar a população em revolta. A tese do inimigo externo caiu por terra e, por ser um país majoritariamente laico, pouco se podia dizer sobre um "perigo muçulmano".

Este apoio dos EUA e de seus aliados, aliás, se reflete nas parcas informações pré-revolução em comparação com a imensa cobertura dada pela mídia aos protestos no Irã. A mídia tem interesses e não esconde - ou tenta e acha que somos tolos. Isto, obviamente, não diminui nem a relevância da revolução tunisiana e nem os protestos no Irã.

O fato de ser fato consumado e de que a Tunísia se trata de um país muçulmano, mas majoritariamente laico, sem que nenhum grupo militante islâmico ameace a estabilidade, facilita a aceitação por parte da comunidade internacional de um novo governo, seja ele o escolhido pelo povo ou outra ditadura amiga.

O problema desta revolução se espalhar reside exatamente aí, na militância islâmica. No perigo islâmico, seja ele real ou não.

É neste ponto em que os mais entusiasmados com a possibilidade de revolução semelhante ocorrer no Egito, por exemplo, se perdem. Os recentes e constante ataques à população Copta colocam em xeque a idéia de que as comunidades religiosas vivem em paz e harmonia no país e de fato existe o perigo de uma islamização do Egito, o que seria péssimo para os interesses dos EUA na região e, obviamente, neste caso, é difícil não convergir até esta tese.

O governo de Hosni Mubarak é uma fachada, mas é laico. Um levante popular dificilmente manteria este caráter do Estado egípcio, o que faria a máquina americana se mover. O mesmo vale para boa parte dos países do norte da África, seja pela população em si, seja pela forte presença de grupos islâmicos militantes.

De qualquer forma, o fato é que todos os atuais ditadores devem estar tomando as medidas necessárias para evitar que algo semelhante aconteça: Tortura, prisões, leis restritivas, espionagem... E, no caso dos aliados dos EUA, deve já ter recebido ofertas de ajuda - entenda como quiser.

O caráter de um levante em países onde o laicismo não é forte ou o princípio básico, seria desde o começo diverso do Tunisiano: O objetivo não seria "democracia", mas a provável implantação de um regime islâmico, com aplicação da Sharia e etc. Não podemos deslegitimar o motor de descontentamento, mas a possibilidade de um governo laico vinda de processos revolucionários no Egito, por exemplo, é pequena.


Fica o dilema final, melhor um Estado ditatorial laico que impõe severas restrições ao seu povo ou uma "democracia" islâmica que também imporia severas restrições ao seu povo?
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