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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Julgamento de Mubarak e eleições acirram a tensão no Egito

O Aldo é amigo meu, estudamos juntos, nos formamos juntos e nos embriagamos juntos algumas vezes!=) 

Ligado aos movimentos sociais de São Paulo, ele está no Egito há alguns dias, cobrindo as manifestações e todo o processo de mudança no país e, enquanto torço (e torcemos todos os amigos)por sua segurança, fico esperando seus informes direto do front!
Cairo (Egito) - Mais de seis meses desde a queda do governo do presidente Hosni Mubarak, o processo revolucionário no Egito continua a todo vapor. Greves, manifestações, ocupações de espaços públicos e o afloramento de organizações de todos os tipos têm tomado conta do cenário político do país. Aquilo que até alguns meses atrás era um país com quase nenhuma vida política visível, hoje tornou-se um centro de agitação e propaganda das mais diferentes tendências políticas do mundo árabe.

Mesmo assim, as relações entre Estado e sociedade civil continuam bastante tensas no país. Apesar das conquistas da revolução, o Egito ainda é uma ditadura militar, e enquanto está claro que o atual momento histórico pode permitir grandes avanços sociais, poucos têm clareza de qual caminho o país esta seguindo.

O maior exemplo das tensões e contradições que têm tomado conta do Egito nas últimas semanas é o julgamento do ex-presidente Hosni Mubarak. Entre as acusações apresentadas contra Mubarak, além dos crimes de corrupção e diversas outras infrações penais de colarinho branco, está a acusação do homicídio de centenas de pessoas durante as manifestações que ocorreram pouco antes da queda de seu regime. Caso condenado, o todo poderoso ex-presidente pode ser mandado à forca. A grande duvida é se o Conselho Supremo das Forças Armadas ou SCAF (Supreme Council of the Armed Forces, em inglês), como a junta militar que hoje governa o país é conhecida, permitirá a aplicação de tal sentença.

A SCAF, cujos membros foram todos nomeados durante o governo Mubarak, é presidido pelo Marechal Mohamed Hussein Tantawi, ex-ministro da defesa e amigo próximo do presidente deposto. Enquanto a revolução democrática de 11 de fevereiro derrubou o presidente e seu vice, Omar Suleiman, a estrutura política do exército, que desde os anos 50 governa o país, se manteve intacta. É exatamente esta estrutura política que pode muito bem ir ao banco dos réus ao lado de Mubarak, algo que a SCAF quer impedir a todo custo.

O desenrolar do julgamento, que acontece na Academia da Policia Militar, ironicamente, o mesmo local onde Mubarak deu seu ultimo discurso público antes de ser derrubado pelo povo, tem visto cenas repetidas de tumulto nas ruas ao seu redor. Só segunda-feira, data da ultima sessão do julgamento, 34 pessoas ficaram feridas nos confrontos que aconteceram do lado de forma da academia.

As cenas de dois campos opostos, igualmente grandes atirando pedras uns contra os outros está bastante distante da realidade da conjuntura política do Cairo. Aqui, quase todos se declaram opositores de Mubarak. Segundo Menna Thabet, uma militante do movimento de juventude que esteve presente quase todos os dias nas manifestações na Praça Tahir, o debate atual do Egito não gira mais em torno de Mubarak “aqui, todos são contra Mubarak, sem exceções, a questão é se apóiam ou não a junta militar.”

Porem, é exatamente a integridade desta junta militar que pode estar em jogo com o julgamento do tirano, dai a centralidade e atualidade política do evento. Caso Mubarak seja condenado, o próprio general Tantawi, presidente de facto do país, pode também ser responsabilizado pelas mortes, ao lado de diversos outros membros de alta patente das forças armadas. Os advogados da acusação têm feito um esforço tremendo para garantir como que o atual presidente deponha no caso, algo que a SCAF tem trabalhado para impedir.

Utilizando como argumento a violência que vem ocorrendo do lado de fora do tribunal, o juiz Ahmed Rifaat, responsável pelo caso jurídico mais importante da historia do Egito, ordenou que se encerrassem a transmissão ao vivo do julgamento do ex-presidente. Soma-se ao argumento da violência, a questão de que a presença de câmeras ao vivo atrapalharia o andamento do caso, expondo depoimentos que deveriam ser, em tese, sigilosos. Por mais que os argumentos de Rifaat tenham algum fundo de verdade, e que a medida tenha recebido o apoio dos advogados das vitimas do ex-ditador, a ação gerou suspeita entre muitos no Egito. A idéia de que esta se iniciando uma operação para impedir como que Mubarak seja julgado de forma séria circula amplamente no país. Apesar da proibição da presença de câmeras de TV, o julgamento continua aberto para o publico e imprensa.
JUNTA MILITAR
Tem circulado na imprensa egípcia que a proibição da transmissão ao vivo do caso foi fruto de pressão da Arábia Saudita sobre o governo egípcio. Os monarcas árabes tem se mostrado particularmente preocupados com a possível condenação e exposição de seu ex-colega. A Arábia Saudita, assim como o Qatar e outros países do golfo, possuem uma profunda influência sobre a junta militar egípcia. Para alem da grande convergência ideológica entre os dois grupos, após a recusa da junta militar de receber ajuda financeira do FMI (algo visto por muitos como uma vitória da esquerda), os militares egípcios tiveram que buscar financiamento nos países árabes exportadores de petróleo. Tal fato aumentou ainda mais a influência direta dos sauditas sobre o cenário político egípcio. Alem da recusa a ajuda financeira do FMI, outra conquista do campo da esquerda tem sido a suspensão do processo de privatizações iniciado por Mubarak sob tutela do ocidente. Hoje, se fala muito em re-nacionalização das indústrias privatizadas.

O julgamento de Mubarak, porém, está longe de ser o único evento político que tem ocupado o dia-a-dia da vida política do país. Enquanto a data das eleições parlamentares continua sendo constantemente adiada pela junta militar, as organizações autônomas da classe trabalhadora estão aproveitando a atual conjuntura para construírem seus sindicatos livres. A luta dos trabalhadores egípcios esta em franco ascenso. Esta semana, os trabalhadores das ferrovias entraram em greve, paralizando o transporte público do país e exigindo maiores salários e liberdades políticas do governo.

Diversos setores da esquerda egípcia parecem estar menos preocupados com as eleições parlamentares e mais focados na organização da classe. Desde a greve dos operários da fabrica de tecidos Mahalla em 2006, o movimento operário tem passado por um grande período de mobilizações, catalisando ainda mais pela queda de Mubarak. De lá para cá, 260 novos sindicatos livres foram criados, e uma nova central independente, que já possui um milhão de trabalhadores em sua base, vem crescendo e se desenvolvendo no Egito.

Segundo Tamer Wageeh, dirigente do Partido da Aliança Popular Socialista, um dos principais partidos políticos de esquerda do Egito pós-Mubarak, a fase da revolução na qual a juventude ocupava o espaço de vanguarda se encerrou. “Agora cabe aos trabalhadores assumirem a rédea do processo”, alega o dirigente. Seu partido, segundo ele, está inteiramente voltado a isso.

A situação política no Egito parece profundamente fluida, cercada de incertezas e confusões de todos os tipos. E enquanto o exercito e a tropa de choque continuam ocupando a praça Tahir, impedindo assim a presença de novos protestos no espaço, a única certeza que se tem hoje no país é que a revolução iniciada no dia 25 de janeiro está longe de ter chego ao seu fim.

Aldo Sauda é formado em Relações Internacionais e faz pesquisa no Egito.
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quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Cidadania ou a eterna necessidade de consumir

Assistindo ao programa de entrevistas do Rodrigo Vianna na Record News com o Plínio de Arruda Sampaio e o Igor Fuser (os três são pessoas pelas quais nutro grande admiração), pude ter uma verdadeira aula sobre crise do capitalismo e, claro, a visível crise da esquerda, incapaz de se re-inventar e tomar a frente nos vários protestos que surgem pelo mundo.


Nos países árabes lideranças despontavam por todos os lados, localizadas, específicas, mas incapazes de guiar os rumos de uma massa que queria mudanças, mas não inha programa.

Na Inglaterra vê-se uma total falta de organização. Protestos legítimos e insatisfação explosiva se misturando com atos reprováveis devandalismo (mesmo que frente ao vandalismo do governo na entrega de dinheiro público aos bancos e na violência injustificável da polícia contra o povo) e uma esquerda que não existe.

Conservadores, liderados por Tatcher dilapidaram o Estado inglês e todo o processo foi aprofundado ou ao menos continuado por Blair e os trabalhistas que de esquerda não tinham nada. Hoje a direita permanece no poder, apenas mudou o partido, e a esquerda não sabe o que fazer.

Na Espanha, os indignados demonstram a mais completa insatisfação com a política tradicional e com os partidos, onde PP e PSOE são faces da mesma moeda. Partidos neoliberais, privatizantes e dispostos a fazer de tudo para salvar os bancos - mas não o povo. Na falta de uma alternativa viável, resta a indignação que dificilmente evitará uma vitória acachapante do PP nas eleições de novembro. PP ou PSOE são a mesma coisa e nenhuma alternativa parece estar sendo criada e nenhum outro grupo ou partido conseguiu capitalizar a insatisfação popular.

No Chile a situação é um pouco diferente, a politização (mesmo partidarização) da população é imensa, mas ainda não se sabe que reflexos os protestos trarão em termos eleitorais ou se haverá real mudança no quadro político e mesmo social chileno.

E aqui no Brasil, vemos movimentos aparelhados, CUT demonstra insatisfação contra o governo apenas nas páginas de jornais, a UNE faz o mesmo, discordâncias pontuais não passam de notinhas e reclamações inócuas, no resto do tempo o mesmo apoio cego e inconsequente de sempre.

Parte da esquerda está disposta a apoiar tudo em nome de um governo francamente de direita, mas com um verniz avermelhado pelas políticas sociais que escondem intenções não tão nobres.

Políticas compensatorias, quando emergenciais, são corretas, mas no governo Lula/Dilma viraram perpétuas, pois não há qualquer planejamento para se ir além. E nem haverá qualquer lanejamento sério, pois, como analisou Plínio no programa,  o governo prefere manter o povo amarrado e fiel, não quer emancipá-lo, coisa ue demanda trabalho, demanda dinheiro, tempo e paciência e, acima de tudo, demanda peitar interesses poderosos.

O governo mantém o povo refém de suas políticas compensatórias ao tempo em que garante lucros históricos ao empresariado. Se é verdade que o poder aquisitivo melhorou, muita gente saiu da miséria, por outro o fosso entre mais ricos e mais pobres continua igual ou maior.

E as políticas compensatórias do governo tem apenas a intenção de manter esta realidade. Basta fazer o cálculo. Você dá uma especialização mínima ao povo, manda para uma UnieEquina e entrega funcionários baratos para indústria.

Deixo claro, eu sou a favor de Bolsa Família, de ProUni, mas, como já exaustivamente escrevi sobre neste blog, garantindo emancipação popular, garantindo saídas, garantindo cidadania.

O modelo atual é perfeito para a perpetuação do capitalismo, porque no meio tempo você "insere" via consumo a população mais pobre, incutindo a "necessidade de consumir" como se isso fosse cidadania. E parte da esquerda aplaude, achando que isso é uma revolução.

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Aos que estranham a ausência de postagens, informo que estou num período de muito trabalho no mestrado, com entrega de artigos, relatório parcial pra FAPESP (agência de financiamento) e futura viagem para Recife para apresentar trabalho na Intercom.
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sábado, 29 de janeiro de 2011

Protestos no Egito e Mobilização Popular: Superação do medo e a luta contra ditaduras

O Egito chega ao quarto dia ininterrupto de protestos, apelidado de Dia da Ira, em que milhares de manifestantes tomaram as principais ruas do país (como o Cairo, Alexandria e Suez) sem dar sinais de que irão recuar frente à polícia até que caia o regime de Hosni Mubarak, no poder há 30 anos.

Desde ontem a internet no Egito está praticamente inacessível e a população acusa o governo de - ilegalmente - ter "desligado" a internet. O Twitter e o Facebook já estavam inacessíveis e em alguns lugares as linhas de telefonia celular foram cortadas e mesmo a telefonia fixa passa por problemas. A transmissão via satélite do canal Al JAzeera foi cortado no Egito que pode se tornar um verdadeiro buraco negro informacional.

A repressão policial no Egito vem sendo brutal, os mortos são pelo menos 8, centenas de pessoas estão feridas ou foram presas pela polícia e encontram-se em paradeiros desconhecidos. O líder da oposição democrática, o ex-chefe da Agência Nuclear da ONU, Mohamed El Baradei encontra-se preso assim como diversos líderes da Irmandade Muçulmana e de outros partidos de oposição.

Jornalistas, em especial câmeras, são alvos preferenciais da polícia egípcia que tenta somar ampliar o blecaute informacional e proibir que imagens saiam do país.

Os protestos no Egito começaram depois que o líder da Tunísia, Zine el Abdine Ben Ali foi deposto depois de 29 dias de protestos contínuos no país. A queda de um antigo fitador Árabe - forte aliado dos EUA na região - serviu de gatilho para que a revolta se espalhasse para o Egito e mesmo para o Iêmen, onde milhares de manifestantes também exigem a saída de Saleh, no poder há 32 anos.

As imagens reproduzidas pela Al JAzeera e também pela BBC e por outras redes presentes no Egito são estarrecedoras. Frente à extrema violência policial a reação apaixonada e inebriada de milhares - talvez milhões - de egípcios que apenas pelo seu número conseguem forçar as forças de segurança a recuar.

O povo egípcio luta pela queda de Hosni Mubarak e de seu regime e não parecem estar dispostos a aceitar nada além. A mobilização na Tunísia, durante 29 dias, mostrou que o povo pode ter o poder nas mãos. Ou melhor, que o povo pode retomar o poder que ditadores usurparam.

O exército que foi mobilizado nas ruas, até agora, não deu mostras de conseguir conter os protestos e, felizmente, não usaram força total contra a população. É difícil prever o resultado - em termos de perdas humanas - de um envio de tropas do exército para conter as manifestações: Exércitos são treinados não para meramente conter, mas para destruir um inimigo.

Qual será a reação mundial - mesmo entre aliados próximos - se Mubarak decidisse matar a população para se manter no poder? Se isto não acontecer, é difícil que o regime se sustente apenas frente ao número avassalador de manifestantes e frente à crescente insatisfação popular que, finalmente, explodiu.

O grito de guerra dos manifestantes em Alexandria, no Egito, era "Ilegítimo", o que apenas demonstra que um governo - ou mesmo uma ditadura - só se sustentam enquanto povo considerá-lo(a) legítimo(a). Somente a legitimidade popular, ou frente ao povo, garantem a sobrevivência de um regime. 

Ao invés de legitimidade, porém, muitos governos escolhem o medo, a violência pura, a intimidação. Ou a aliança com Estados poderosos que o legitimem aos olhos da comunidade internacional.

Lembremo-nos da Revolução Islâmica no Irã. Apenas a pressão popular derrubou o Xá. Chega um momento em que a mera pressão da população, a desobediência civil e o descontrole causado pelo não funcionamento das estruturas mais básicas do Estado acabam por destruir as bases deste mesmo Estado.

Infelizmente em muitos casos a vontade da população não é tão forte, a mobilização não se sustenta e o medo toma conta.

O mais difícil de prever na atual situação é a posição não só do próprio governo egípcio - se reagirá com mais força  -, mas dos aliados europeus. Grande aliado da Tunísia, a França logo fez-se de desentendida sobre seu longo apoio ao regime ditatorial de Ben Ali, assim como os EUA se manifestaram frouxamente sobre a Revolução.

No caso egípcio, as "potências amigas" já pediram calma e para que Mubarak aceite fazer algumas concessões à população (ainda que estes dêem mostra de que não aceitarão nada além da deposição do ditador) sem, porém, retirarem seu apoio ao regime. A defesa da "democracia" mostra-se, como de costume, apenas uma fachada para que as potências mantenham sua influência em diversas partes do mundo.

O passo mais difícil na luta contra qualquer ditadura é superar o medo. É mobilizar o povo e, depois, manter a mobilização frente ao aumento da repressão. Esta barreira foi superada no Egito.

Mas uma vez mobilizado, é difícil parar o povo. Ou o governo cai ou se mantém derramando muito sangue. E assume as consequências políticas e sociais.

Publicado originalmente no Opera Mundi

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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Tunísia e possibilidade de "contágio": Um novo Oriente Médio?

Muitos - tanto na grande mídia como na mídia cidadã - tem especulado sobre a possibilidade do ideal da revolução tunisiana se espalhar pelos demais países do Oriente Médio, notadamente o Egito e a Síria.

Não se pode negar a possibilidade de que eventos semelhantes ocorram - no egito um homem imolou-se no Cairo, repetindo o ato desesperado do jovem Mohamed Bouazizi, 26 anos, da cidade de Sidi Bouzid, "gatilho" para a revolução.

Os fatos por detrás do levante popular são conhecidos e vem sendo analisados exaustivamente pela mídia - aliás, recomendo a excelente cobertura que vem fazendo o pessoal do Global Voices - mas acredito que exista uma euforia um tanto quanto exagerada no que concerne o Oriente Médio como um todo.

Em primeiro lugar, sejamos francos, o povo efetivamente expulsou o ditador Ben Ali do país, mas o poder continua nas mãos de seus aliados. E exército ainda não tomou posição clara e o povo não está no poder ou sequer teve a oportunidade de votar - o que, também, não garante democracia.

Os protestos continuam no país, na busca de derrubar um governo de transição cujo controle está nas mãos dos mesmos que o povo derrubou, ou tentou derrubar. A revolução está ainda incompleta.

A situação atual é de anarquia, falta de controle e medo, apesar de ainda restar esperança.

A Tunísia é um país que dificilmente encontra paralelos na região. A Turquia talvez seja um dos raros países que poderiam servir como comparação - mas esta já é uma democracia, por mais que imperfeita.

Com um nível de laicismo semelhante talvez só a Síria, mas a agência oficial local sequer mencionou os recentes acontecimentos na tunísia e o blecaute informacional não deve cair tão cedo. E, diferentemente da Tunísia, a Síria pode invocar o inimigo externo (EUA e Israel) e mesmo um interno (a comunidade Curda no norte que já vive em situação perpétua de medo e sofrendo violações) na tentativa de repelir qualquer tipo de tentativa de desestabilização.


Isto significa que qualquer levante popular seria abafado ainda com mais veemência e brutalidade pela polícia -e provavelmente pelo exército -, sendo taxado de ação patrocinada pelos EUA - como tentou o governo iraniano acusar os "verdes" apoiadores de Moussavi.

O Irã, aliás, é um bom paralelo para a situação. O governo se manteve no poder, em parte, por conseguir unificar forças contra os manifestantes que, diziam, trabalhavam para os EUA. A tese do inimigo externo funcionou perfeitamente, ainda que não fosse inteiramente verdadeira. E, claro, trato aqui em termos simplistas, afinal seria preciso uma mobilização ainda mais forte para desestabilizar de forma efetiva o governo que tinha o exército e a Guarda Revolucionária ainda amplo apoio.


O governo da Tunísia, por outro lado, era aliado dos EUA, ou seja, não faria sentido em seus patrocinadores darem um golpe ou tramarem algo do tipo. Não que fosse impossível, mas ao menos não serve como desculpa para deslegitimar a população em revolta. A tese do inimigo externo caiu por terra e, por ser um país majoritariamente laico, pouco se podia dizer sobre um "perigo muçulmano".

Este apoio dos EUA e de seus aliados, aliás, se reflete nas parcas informações pré-revolução em comparação com a imensa cobertura dada pela mídia aos protestos no Irã. A mídia tem interesses e não esconde - ou tenta e acha que somos tolos. Isto, obviamente, não diminui nem a relevância da revolução tunisiana e nem os protestos no Irã.

O fato de ser fato consumado e de que a Tunísia se trata de um país muçulmano, mas majoritariamente laico, sem que nenhum grupo militante islâmico ameace a estabilidade, facilita a aceitação por parte da comunidade internacional de um novo governo, seja ele o escolhido pelo povo ou outra ditadura amiga.

O problema desta revolução se espalhar reside exatamente aí, na militância islâmica. No perigo islâmico, seja ele real ou não.

É neste ponto em que os mais entusiasmados com a possibilidade de revolução semelhante ocorrer no Egito, por exemplo, se perdem. Os recentes e constante ataques à população Copta colocam em xeque a idéia de que as comunidades religiosas vivem em paz e harmonia no país e de fato existe o perigo de uma islamização do Egito, o que seria péssimo para os interesses dos EUA na região e, obviamente, neste caso, é difícil não convergir até esta tese.

O governo de Hosni Mubarak é uma fachada, mas é laico. Um levante popular dificilmente manteria este caráter do Estado egípcio, o que faria a máquina americana se mover. O mesmo vale para boa parte dos países do norte da África, seja pela população em si, seja pela forte presença de grupos islâmicos militantes.

De qualquer forma, o fato é que todos os atuais ditadores devem estar tomando as medidas necessárias para evitar que algo semelhante aconteça: Tortura, prisões, leis restritivas, espionagem... E, no caso dos aliados dos EUA, deve já ter recebido ofertas de ajuda - entenda como quiser.

O caráter de um levante em países onde o laicismo não é forte ou o princípio básico, seria desde o começo diverso do Tunisiano: O objetivo não seria "democracia", mas a provável implantação de um regime islâmico, com aplicação da Sharia e etc. Não podemos deslegitimar o motor de descontentamento, mas a possibilidade de um governo laico vinda de processos revolucionários no Egito, por exemplo, é pequena.


Fica o dilema final, melhor um Estado ditatorial laico que impõe severas restrições ao seu povo ou uma "democracia" islâmica que também imporia severas restrições ao seu povo?
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