segunda-feira, 3 de maio de 2010

Sobre Anistia e Esquecimento: Salvador e o Brasil

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Assisti neste fim-de-semana o excelente filme "Salvador" sobre o anarquista Salvador Puig Antich, executado com o Garrote Vil (verdadeiro instrumento de tortura) pelo regime de Franco em 1974. Ele tinha 25 anos.

Como centenas - talvez milhares, Salvador era um jovem que, nos anos 70, se sentia sufocado pela repressão do regime franquista e, não vendo outra solução, pegou em armas para tentar derrubar um regime e lutar por um mundo melhor.

Na Espanha de Franco ele era proibido de falar sua língua - o Catalão -, fato muito bem marcado pelo filme e de se expressar livremente. Junto com amigos e conhecidos começou a assaltar bancos para financiar a produção de panfletos e revistas revolucionárias e para financiar os sindicatos de esquerda que combatiam o regime ditatorial.

Nas ruas, os estudantes constantemente protestavam - e eram violentamente reprimidos e presos, quando não torturados e mortos.

Qualquer semelhança com os regimes repressivos da América Latina - Brasil incluso - não é mera coincidência. Retirem apenas o fato do Catalão ser reprimido e teremos uma simulação do que ocorria no Brasil e em toda a América Latina, salvo as proporções. Um retrato fiel do que forma as ditaduras e, em alguns casos, o que ainda existe em muitos países autodeclarados "democracias".

Vale salientar, na comparação, que tanto o Brasil quanto a Espanha introduziram - pelo lado dos vencedores dos golpes, pelo lado dos torturadores e criminosos - uma Lei da Anistia que nada mais é que uma Lei da Impunidade, do Esquecimento (apenas para os algozes, quem perdeu um filho não esquece jamais), da defesa dos assassinos que deixaram o poder.

Aliás, "deixaram" é um termo muito forte. Hoje apenas dão as cartas sob novos nomes, sob novas siglas, novas plataformas. Como a Rede Globo, reinventaram sua história. Como o DEM, subverteram a verdade.

Salvador lutou por um ideal. Lutou contra a Ditadura mas, outro mérito do filme, não lutava de forma vazia contra esta Ditadura, mas sonhava com um mundo melhor. Em seu caso, o Anarquismo. Outros escolheram o Comunismo, o Socialismo. Não se luta pelo nada. Não se luta apenas "contra". Luta-se por uma idéia, um ideal, por uma certeza de um futuro melhor. Certa ou errada a ideologia, não importa. Vela a certeza de que havia e há paixão, comprometimento, a vontade de um outro mundo, justo.

É curioso, no Brasil, quando saudosistas da Ditadura ou simplesmente pessoas ignorantes bradam que a Anistia perdoou os dois lados (lembrando que o "outro lado" nunca foi questionado se concordava ou não com a decisão dos militares de se auto-anistiar), há sempre o comentário de que, se revogada a Anistia, os guerrilheiros deveriam pagar por seus "crimes" pois, supostamente, não lutavam pelo fim da ditadura, mas pelo Comunismo. 

Ninguém nega que muitos lutaram com a idéia do Comunismo permeando suas ações. Lutavam, sim, pelo fim da Ditadura, pela Democracia, mas não a democracia que os vencedores impuseram, não a democracia do esquecimento, da vergonha - agora referendada pela Justiça (sic) Brasileira -, mas por uma democracia nova, diferente.

Comparações com China, União Soviética e afins apenas ilustram que as pessoas cometem erros, que aplicam teorias de forma equivocada - muito equivocada -, mas em momento algum (vejam também a época) retira dos jovens revolucionários, dos jovens que lutaram contra a Ditadura, sua razão, seu direito de fazê-lo.

Repito, não se luta no vazio, não se luta por nada. A ideologia pode até estar equivocada - se isto provar-se à longo prazo ou em outros lugares - mas nunca se luta sem ela.

Já no caso espanhol, temos um exemplo ainda mais assustador. A Anistia é uma barreira para manter no esquecimento as milhares de vítimas de Franco, um número simplesmente avassalador de assassinados e torturados. E um número que, apesar do suposto fim do regime, não para de crescer.

Franco morreu. Mas seu regime continua, travestido de democracia. As elites políticas não mudaram. Ao fim do Regime assumiu Fraga Iribarne, ministro favorito de Franco, responsável pela morte de milhares e por feroz repressão antes e durante a chamada "Transição". Depois a figura virou ainda Presidente da Galiza. E foi condecorado. Hoje, é respeitado. Garcia Lorca e milhares de outras vítimas, porém, continuam em valas comuns. As famílias nunca receberam um corpo para enterrar. E Fraga tem suas medalhas. O PP tem seu direito a concorrer como se fosse digno, como se respeitasse a Democracia.

Na Democracia espanhola, a Falange, partido que admite abertamente seu saudosismo franquista, pode não só funcionar, ser votada, fazer campanhas de ódio, mas também processar o único homem que teve a coragem de ir contra a Lei da Anistia, Baltasar Garzón que, pese as extensas críticas à sua figura e atuação passada, foi o único a se levantar e questionar o vil esquecimento, a vil impunidade.

E de que democracia falamos quando persiste a tortura? Persistem as prisões arbitrárias? Persistem os assassinatos patrocinados pelo Estado? Salvador foi morto "legalmente", dentro da prisão - ainda que por acusações falsas -, mas Jon Anza foi morto pela polícia espanhola "ilegalmente". Lasa e Zabala foram mortos - e torturados - "ilegalmente" pelos GAL, grupo de extrema-direita financiado, patrocinado e composto por membros da estrutura estatal Espanhola.

E no Brasil, onde temos jovens sendo mortos diariamente nas carceragens da Polícia Militar? Onde temos moradores de rua sendo acossados pelas forças de segurança (sic) de um estado (São Paulo) à mando de um homem - Kassab - cujo partido foi a base do regime ditatorial - o DEM?

Salvador Puig Antich pôde ser homenageado, pôde virar filme. Mas por homenagear à "Argala", responsável por abreviar os piores anos da ditadura de Franco ao matar seu homem no poder, o Marechal Carrero Blanco, Arnaldo Otegi enfrenta a cadeia.

Por homenagear a Mattin Sarasola - cidadão torturado pela política espanhola - a prefeita da cidade basca de Hernani, Mirian Beitilarangoitia foi processada e por pouco não passou duros anos presa.

A homenagem às vítimas da ditadura de Franco ou da polícia espanhola da chamada democracia continuam sendo proibidas sob pena de cadeia. Poucos escapam. O Estado lhes condena. E, no Brasil, o Estado condena ao Esquecimento, a Justiça referenda.
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Esta música foi composta pelo cantor catalão Lluis Llach em homenagem à Salvador. Poderia falar do Brasil.
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Comentários
1 Comentários

1 comentários:

José Evilásio disse...

Nossa, vamos defender todos os anarquistas. São pessoas legais e contribuem bastante para um mundo melhor!

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