terça-feira, 30 de novembro de 2010

Rio de Janeiro: Ainda existe esperança...? Entre o imobilismo e a ação exagerada.

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Todo o recente caos no Rio de Janeiro e a consequente tomada do Complexo do Alemão por parte da polícia nos faz (re)avaliar algumas posições consolidadas - da mídia, da sociedade, das forças de segurança - e ter, talvez, alguma esperança.

Critique em texto anterior as posições radicalizadas entre os que tinham (tem) uma visão idealizada do tráfico, com cores "esquerdistas" - que combina muito bem com o recente filme sobre a origem do Comando Vermelho, o "400 contra 1" - e os que apenas pregam o senso comum da classe média, de que bandido (sic) bom é bandido morto e, claro, todo favelado é bandido até que se prove o contrário.

A primeira assumida por alguns blogueiros e a segunda pela mídia, como de costume, ainda que alguns veículos tenham adotado um discurso muito mais moderado que o de costume, caso do Extra.

GloboNews, Globo e adjacentes se limitavam a fingir que tudo não passava de um divertido Big Brother, confundindo realidade com entretenimento de péssima qualidade. Desejavam, com os dentes arreganhados, sangue, espetáculo, carnificina.

Mas, curiosamente, esbarravam numa polícia com um discurso que, para mim, soou inédito. Coronéis e comandantes falavam em direitos humanos, em esperar ao máximo pela rendição dos criminosos, em tentar de tudo para evitar uma invasão e a morte de qualquer um... A invasão, feita sem baixas, talvez nos dê motivos para ter esperanças, assim como a receptividade da população a esta ação coordenada das forças armadas e polícia.

Alemão invadido, a mídia não pôde comemorar. Não foi o banho de sangue que gostariam.

Mas é pouco. E não podemos nos esquecer das imagens de "bandidos" (seriam só ou mesmo bandidos) correndo e sendo fuzilados. Avançamos? Talvez, mas pouco.

Diz o Sakamoto:
De qualquer maneira, o problema em questão não é de que o “Estado não pode usar método de bandido sob o risco de se tornar aquilo que combate”, mas sim de que “droga, tem alguém olhando”. Muita gente torceu para que os criminosos em fuga fossem executados sumariamente. Ao mesmo tempo, parte da imprensa (e não estou falando dos programas sensacionalistas espreme-que-sai-sangue) parece vibrar a cada pessoa abatida na periferia, independentemente quem quer que seja. Jornalistas, cuja opinião respeito, optaram pela saída fácil do “isso é guerra e, na guerra, abre-se exceções aos direitos civis”, tudo em defesa de uma breve e discutível sensação de segurança. Afe.
Relembrar é viver: as batalhas do tráfico sempre aconteceram longe dos olhos da classe média e da mídia, uma vez que a imensa maioria dos corpos contabilizados sempre é de jovens, pardos, negros, pobres, que se matam na conquista de territórios para venda de drogas ou pelas leis do tráfico. Os mais ricos sentem a violência, mas o que chega neles não é nem de perto o que os mais pobres são obrigados a viver no dia-a-dia. Mesmo no pau que está comendo hoje no Rio, sabemos que a maioria dos mortos não é de rico da orla, da Lagoa, da Barra ou do Cosme Velho. Considerando que policiais, comunidade e traficantes são de uma mesma origem social, é uma batalha interna. Então, que morram, como disseram alguns leitores esquisitos que, de vez em quando, surgem neste blog feito encosto.
Uso "bandido" entre aspas não por acreditar na suposta inocência de traficantes armados que matam indiscriminadamente, mas por saber que dentre estes muitos provavelmente foram levados ao crime por razões que escapam até mesmo de seu próprio controle.

Sim, muitos entrem no tráfico porque vem de famílias desestruturadas, cresceram na violência, cresceram marginalizados e criminalizados - em grande parte pela mídia que lá estava - e resistiram da única forma que encontraram. Mas, mesmo assim, não concordo em idealizar a situação, em, afinal, pintar a todos de coitadinhos.

Acredito que devam sim ser tratados como humanos, como cidadãos. Devem cumprir pena pelos crimes, mas não devem, uma vez mais, serem marginalizados e criminalizados, torturados e presos em locais sem a menor possibilidade de sobrevivência.

As posições antagônicas e radicais bradam que bandidos devem ser mortos ou que os bandidos são pobres coitados que merecem ser compreendidos.

Ambas estão erradas. É compreensível que a maioria chegou ao ponto da criminalidade pelas condições socias, mas nem por isso devem simplesmente ser tratados como coitados e, da mesma forma, enviá-los à cadeias podres onde irão apenas se reciclar no crime e aumentar seu ódio contra a sociedade, não é a solução.

Diz Marcelo Freixo, no Vermelho:
Dezenas de jovens pobres, negros, armados de fuzis, marcham em fuga, pelo meio do mato. Não se trata de uma marcha revolucionária, como a cena poderia sugerir em outro tempo e lugar.
Eles estão com armas nas mãos e as cabeças vazias. Não defendem ideologia. Não disputam o Estado. Não há sequer expectativa de vida.
Só conhecem a barbárie. A maioria não concluiu o ensino fundamental e sabe que vai morrer ou ser presa.

Ficamos entre o imobilismo e a ação exagerada. Entre a mídia e a classe média que pede sangue e uma esquerda sonhadora imobilizada, que pensa que apenas mudar as condições sociais resolverá todos os problemas.

A solução, porém, passa não só pela mudança das condições sociais, da mudança de paradigma, da implementação de políticas de inclusão social, como também pela ação policial, pela luta contra quem, longe de moralismos, comete crimes.

Concordo com o Azenha, quando critica a idéia da luta do Brasil contra o Brasil:
Deveríamos ter vergonha de ter deixado as coisas chegarem onde chegaram. Deveríamos ter a decência de não usar o patriotismo onde cabe a vergonha.
Há muito o que mudar. Mudar a mentalidade, mudar a mídia, mudar a sociedade. Mas como fazê-lo?

Bruno Cava, amigo de longa data, escreveu no Amálgama, e assino embaixo:
Em resumo: o problema é falta de democracia. Daí a solução passar, necessariamente, por mais democracia. E isso se realiza com políticas concretas, a incidir sobre causas materiais, com dignóstico da situação real, evitando cair nos vários ardis acima expostos: o espetáculo da mídia, a análise maniqueísta, o discurso do medo e da exceção, a farsa do poder constituído.
Assim, à guisa de maior desenvolvimento, arrisco apresentar três caminhos para o debate e a formulação, que possam impactar, na sua estrutura mais íntima, os processos de violência urbana no Rio de Janeiro, quiçá nas metrópoles terceiromundistas em geral:
1) Políticas de desenvolvimento/urbanização de áreas pobres (ex.: PAC das comunidades), de geração e distribuição de renda e bens sociais (ex.: Bolsa Família, Projovem, Prouni), conjugadas intimamente com ações afirmativas substantivas (ex.: cotas raciais na educação, nos concursos públicos).
2) Democratização do sistema penal, nos seus três setores: quer a polícia (ex.: polícia comunitária, partindo do projeto das Unidades Policiais Pacificadoras – UPP, que pode e deve ser melhorado como instância articuladora e mediadora entre demandas da comunidade e poderes públicos), quer a justiça criminal (ex.: criminologia crítica, constitucionalização do direito penal, quadro de juízes e promotores mais social/racialmente plural, fortalecimento das defensorias públicas, acesso à justiça), quer o complexo prisional (ex.: despenalização de condutas não-violentas, penas alternativas, revolução das cadeias como espaços de ressocialização e não como “universidades do crime”).
3) Descriminalização de todas as drogas ilícitas, sem exceção, desvinculando o uso, o porte, a produção e a venda da atenção da polícia e da justiça criminal, convertendo em problema político de saúde pública, a ser estudado, controlado e gerido por órgãos especializados que já fiscalizam fármacos, com regulamentação lúcida e democraticamente debatida e aprovada.
A grande questão, também, é ter em mente que os "bandidos" que supostamente controlam o tráfico, as cabeças visíveis, são apenas a parte baixa da escala. Os verdadeiros chefes tem cadeiras cativas nas assembléias legislativas, na câmara dos deputados estadual e, mais além, tem espaço garantido no Senado, na Câmara dos Deputados em Brasília e em todas as esferas de poder do país.

Sobra ao "preto", ao "pretinho" da favela fazer o trabalho sujo das elites.

O crime do colarinho branco é o pai do crime nas favelas, e mais ainda, costuma ser o criminoso do colarinho branco o chefe dos criminosos da favela. O político, os filhos da elite, são os responsáveis pela miséria e exclusão social, são os que mantém o ciclo em constante perpetuação e reprodução.

O "crime organizado", como concorda o Cava, não nasce ali, na favela, mas tem relação com multinacionais, com interesses de gente muito maior que Fernandinho Beira Mar ou Elias Maluco.

Acredito, porém, que quando a violência, seja qual for o mandante, chega a um nível insustentável, é preciso ação. Mas esta é só a ponta do iceberg. De nada adianta ação pontual se os presídios continuarem a ser escola de bandidos, se o processo constante de criminalização, marginalização e bestialização dos pobres e favelados não mudar e, enfim, se os verdadeiros chefes, os verdadeiros donos do poder não forem desmascarados.

Retomo o Sakamoto:
Ninguém está defendendo o tráfico, muito menos traficantes (defendo a descriminalização das drogas como parte do processo de enfraquecimento dos traficantes, mas isso é história para outro post). O que está em jogo aqui é que tipo de Estado queremos e o tipo de sociedade que estamos nos tornando. Muitas das ações que estão ocorrendo vão criar uma sensação de segurança na população passageira e irreal, que vai durar até a próxima crise.
Acredito, como ele, que cabe discutir o que entendemos por e o que queremos enquanto sociedade, mas da mesma forma, não condeno totalmente a ação da polícia e de forças armadas em situações limites, gostaria apenas que estas ações fossem resultado apenas da necessidade e respeitassem padrões mínimos de respeito aos direitos humanos e não apenas reflexo da desestruturação social e do senso comum da classe média.

Como atacar causas imediatas e, ao mesmo tempo, causas históricas de exclusão e criminalização? Como conjugar segurança e direitos humanos, exclusão social e inclusão social?
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