sábado, 2 de abril de 2011

Creative Commons, Controle da rede e os inocentes bem intencionados

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Desde antes das eleições eu já havia notado - na verdade eu sempre soube - que o PT era um partido blindado por uma militância muitas vezes acrítica.

Parece, como bem comentou o @Caribe,que há uma tensão entre velha guarda e nova guarda, entre aqueles que se apegam ferrenhamente aos antigos modelos - de poder, de política, de compartilhamento, de modelo de gestão social - e os que são ligados às novas mídias, à flexibilidade de novos modelos e interessados em promover a cultura digital, o compartilhamento de cultura e conhecimento.

Eu iria além, para mim estamos diante de uma militância petista ligada efetivamente aos interesses populares e uma militância alienada, interessada apenas no poder e em pactuar com os antigos poderes, enfim, lucrar com a velha mídia - por mais que continuem a apanhar dela. Parte desta militância alienada é formada por aqueles que são como cães da direção petista: Repetem tudo e defendem as decisões desta direção com afinco... mesmo totalmente erradas.

Cheguei até mesmo a ter o desprazer de ler, em um grupo de e-mails, uma petista anunciar com orgulho ser uma solada obediente, que jamais criticaria nada do governo. Ou seja, uma seguidora cega e acrítica, pronta a se sacrificar sem pensar. O tipo de soldados que, no fim, acabam sendo mais uma propaganda negativa que motivo de orgulho para qualquer partido.

Claro que neste grupo existem também os que são simplesmente alienados, no sentido direto da palavra.

Repetem por desconhecimento, por inocência, por achar que a direção é divina e por aí vai. Mas continuam sendo nocivos.

E isto pode rachar o PT  - está já rachando a militância que, em pouco mais de um mês de governo Dilma ainda não viu uma única razão para comemorar. Pelo contrário.

Eu já comentei antes sobre a mania que muitos tem de achar que entendem o funcionamento da internet por simplesmente ter uma conta de e-mail, um perfil no Facebook e blogarem vez ou outra. Internet é muito mais do que isso. E não é tão simples de entender como parece. E deputados e senadores, daqueles que ainda lêem e-mails impressos pelas secretárias até alguns que já sabem usar o Twtitter, estão sempre prontos a pegar carona nas idéias dos pseudo-especialistas e tentar nos censurar.

Pedofilia, anonimato e tantas outras coisas que os vigilantes usam para atacar a internet e contam sempre com os bons inocentes para apoiar.

Este debate sobre o MinC ter retirado a licença Creative Commons de seu site é mais um dos casos em que esta militância acrítica e "canina" aparece. E uma outra parte da militância, que considera absurda a decisão, some. Poucos são os que realmente se insurgem.

O caso é simples e antigo, mas merece ser retomado, o Ministério da Cultura resolveu tirar do site do ministério a licença de compartilhamento do Creative Commons, sem qualquer explicação, em um claro retrocesso frente ao trabalho feito por Gil e Juca no ministério.

O debate vai além, aliás, e está opondo os defensores da mídia livre dos defensores dos antigos modelos proprietários em um debate que também junta questões relacionadas ao Ministério das Comunicações e políticas de controle social da mídia e regulação da mídia.

O fato é que há muita insatisfação com estes dois ministérios. E não de graça.

Se é fato que nossa legislação garante o compartilhamento de conteúdo, também o é que a licença Creative Commons garante estes mesmos direitos para o mundo inteiro, em uma linguagem universal e perfeitamente adaptada à rede. Isto para ficar em termos simples.

A utilização do CC elimina possíveis "poréns", como reclamações insensatas de direitos autorais e o surgimento de qualquer problema no compartilhamento. É a garantia de que um documento ou arquivo, ou mesmo vídeo, estará livre para ser compartilhado dentro das regras claras e diretas da organização (e da licença) e não através de regras confusas e cheias de subterfúgios em que defensores de direitos autorais podem dificultar nossa vida.

Críticas à atitude da ministra, Ana de Hollanda, não faltaram. Uma das mais contundentes feitas por Sérgio Amadeu, especialista na área, assim como por Renato Rovai, outro que, sem dúvida, entende mais do assunto que a própria ministra. No Trezentos há outro bom post.

Recomendo a leitura dos posts dos referidos especialistas para entender melhor a situação em si e também a relação que existe com o ECAD, prefiro me centrar no CC em si e em algumas falácias disseminadas pela rede:


Algo que vem sendo dito é que o Creative Commons não passa de uma ONG americana e, logo, responde aos interesses dos EUA:


CC não é uma ONG apenas e sim uma licença que tem uma ONG por trás para promovê-la e gerir as regras – como a ABNT gere as regras de publicações, por exemplo. Estamos falando de uma organização que apenas zela pelo funcionamento e pela criação de normas, mas o que importa é a licença em si, que tem validade e aceitação quase universal.

Esta idéia de que há uma conspiração americana é simplesmente ridícula e fruto de um ultra-esquerdismo que simplesmente não combina com o setor privatista que vem defendendo o fim do uso do CC. É simplesmente o empréstimo de um discurso totalmente diverso das práticas do grupo que defende ECAD e a indústria musical.

Aliás, convenientemente esquecem estes pseudo-especialistas que o Brasil também "está" no CC, temos representantes nacionais que também são responsáveis pelo uso das normas do CC.

Leis brasileiras de compartilhamento:

Não importa se as leis brasileiras permitem ou não o compartilhamento e sim que não estamos falando só do Brasil, mas da internet e de um mundo globalizado. O CC é aceito (quase) universalmente, logo, tem alcance MUITO maior que a legislação brasileira. Daí sua importância para o compartilhamento GLOBAL – e não local – de conteúdo. além da própria linguagem do CC ser adaptado à internet, coisa que nossa legislação não é.

Ignorância dos internautas versus "nerds iluminados"

Suposta ignorância dos brasileiros em relação ao CC não é justificativa para não usá-lo, não só pelo que já disse acima, mas também porque não se desiste de algo porque supostamente A ou B não vão entender, especialmente porque é possível usar um texto bem semelhante ao que o MinC está usando – que é permitido o compartilhamento – e ainda assim usar o CC.

Se ignorância for razão pra desistir do uso de algo então vamos desistir da nossa constituição, porque muitos pontos são obscuros pra franca maioria da população.

Ao invés de ensinar e promover o compartilhamento vamos defender o obscurantismo?

Os “nerds” entendem do assunto, oras, então estão errados? Vamos nivelar por baixo ao invés de ter a chance de evoluir? Isso me lembra um artigo que escrevi criticando esta mania que muitos tem de achar que entendem ou compreendem a rede, mas no fim estão redondamente enganados.

Insegurança jurídica

A reação do CC não foi prepotente e causa sim insegurança jurídica. Ao aceitar usar a licença você concorda que TODO material sob ela está livre para ser compartilhado (dentro dos termos) e não só no país, mas globalmente. Ao retirar a licença você cria dúvidas sobre novos conteúdos e sobre o compartilhamento global, pois se O CC funciona no mundo inteiro, a legislação brasileira não.

Qual tratamento será dado ao conteúdo antigo que estava sob CC? qual era? Como funciona agora?
Sim, causa insegurança.

O principal problema é que o governo continua achando que entende mais de internet do que os especialistas. Aliás, este é um problema de praticamente todos os governos. Estados pensam em termos de soberania, esta é limitada à regras, ao território, ao espaço, enquanto a internet não respeita estes limites.

Não importa que, no Brasil, valha a legisla de um ambiente global em que as regras de compartilhamento e fronteiras – assim como legislações estatais – são compreendidas e interporetretadas de maneiras diferentes e o CC é exatamente a tentativa de adequar o compartilhamento em um ambiente transfronteiriço e fluido.

Não é a invenção de uma suposta ONG dos EUA e sim a solução encontrada por ativistas, hackers e especialistas para propiciar compartilhamento global dentro de regras comuns.

Um exemplo de insegurança?

Você dizer que seu site permite compartilhamento e etc não vale muita coisa, porque você pode mudar de idéia. Ou qualquer outra pessoa. Não há segurança jurídica pra você ou pra quem usar o conteúdo.

Você pode mudar de idéia sobre os artigos em um blog serem livres de um dia pro outro e processar quem usou, afinal, não há nenhuma licença que garanta nada. O CC não perde a validade. Aquilo que foi compartilhado com CC continuará a estar regido sob a licença, mesmo que você mude de idéia sobre novos artigos (ou filmes, músicas e etc).

Por outro lado, um alemão que quiser usar um texto seu e não citar a fonte não sofrerá nada, porque a legislação brasileira não o atinge, mas com o CC você tem base legal para processá-lo mesmo na Alemanha.

E, se você escreveu 500 textos com CC e resolveu retirar do site a permissão e escreveu 5 novos, os antigos continuam valendo dentro da lógica do CC, pois conteúdo uma vez compartilhado com a licença fica perpetuamente obrigado. Só os novos que não.
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