sexta-feira, 1 de abril de 2011

Os arquivos secretos da Ditadura Militar Brasileira: A Anistia perpétua.

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A Ditadura Militar no Brasil durou exatos 21 anos, de 1º de Abril de 1964 (o dia da mentira no Brasil, razão pela qual os militares apontam o dia anterior, 31 de março como dia do Golpe) até 15 de janeiro de 1985 e, durante este período de grande repressão política, 380 pessoas foram mortas (uma boa parte de guerrilheiros de esquerda anti-Ditadura, mas muitos estudantes ou simplesmente cidadãos que não apoiavam o regime), entre as quais 147 continuam desaparecidos e nada se sabe sobre o destino de seus corpos.

Hoje sabe-se que tanto o golpe quanto o regime consequente foram financiados pelos EUA em uma aliança regional entre ditaduras na América Latina chamada de Plano Condor, ou seja, uma rede gerenciada pelos EUA que mantinha ligação efetiva e constante entre os países da região que estavam (ou logo estariam) sob regimes ditatoriais, promovendo a manutenção do status quo e dando apoio logístico e financeiro à derrubadas de regimes democráticos, como o Chile de Salvador Allende, derrubado por Augusto Pinochet em 11 de setembro de 1973.

Durante os chamados "Anos de Chumbo", milhares de brasileiros e brasileiras foram vítimas de tortura sistemática e prisões arbitrárias, inclusive mulheres grávidas e, em alguns casos, crianças, filhos dos presos políticos, assistiam às sessões de tortura. Não se sabe ao certo o número de crianças traumatizadas durante o período.

Pela esquerda, foi organizada às pressas uma resistência armada formada por diversos pequenos grupos compostos majoritariamente por estudantes universitários que praticavam assaltos à bancos (expropriações) para financiar suas ações, dentre elas o sequestro de personalidades e embaixadores estrangeiros. Estes grupos jamais foram grandes u muito fortes e boa parte destes foram desmantelados depois de intensa perseguição, prisões e torturas, além de exílios forçados.

Durante o período que se conhece no Brasil como o da abertura, no final dos anos 70 e começo dos 80, em que a guerrilha tanto urbana quanto rural já havia sido quase totalmente dizimada e durante o momento em que as Forças Armadas começavam a sentir que não poderiam mais se manter no poder - aumento significativo da inflação, aumento significativo da dívida externa brasileira, crise econômica mundial devido à crise do petróleo no mesmo ano, processos de re-democratização em países vizinhos -, foi promulgada a Lei da Anistia.

Em 28 de agosto de 1979, o então ditador, João Figueiredo, promulgou a lei 6.683, conhecida como Lei da Anistia que virtualmente “desculpava” os militares e civis pró-regime que haviam matado e torturado durante o regime de exceção, já prevendo o fim próximo da Ditadura e a possibilidade de processos contra os criminosos.

Militares e civis que haviam torturado e matado centenas de brasileiros em paus de arara, com choques elétricos, afogamento, espancamento dentre outras técnicas passaram automaticamente a serem inimputáveis, ou seja, jamais poderiam ser alcançados pela lei de um regime democrático e julgados por seus crimes.

Crimes como o cometido contra a família de Amélia Telles e Criméia Almeida, presas e torturadas enquanto a segunda encontrava-se grávida. Criméia Almeida ainda teve o marido, André Grabois, e o sogro, Maurício Grabois, assassinados pela Ditadura e criou seu filho sozinha. A filha de Amélia Telles foi presa, aos 5 anos de idade, junto com a mãe e por anos carregou danos psicológicos pela situação a que foi submetida e à sua família.

O Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, responsável pela tortura de Criméia e Amélia, dentre outras centenas, foi o único militar a ser processado e condenado, em 9 de outubro de 2008, passando a ser considerado oficialmente um torturador, ainda que a pena não acarretasse prisão ou pagamento de multa, sendo apenas declaratória.

Até hoje nenhum militar foi punido e os arquivos relativos àquele período permanecem fechados, secretos, impedindo que as famílias dos 147 desaparecidos possam enterrar seus entes queridos e saber da verdade.

Em Abril de 2010 o Supremo tribunal Federal tornou ainda mais difícil a abertura do arquivos e a punição dos torturadores ao julgar a validade da Lei da Anistia e garantir a eterna impunidade daqueles que, em nome do Estado, torturaram e mataram.

Porém, na véspera do natal de 2010, a Corte de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) julgou e condenou o Brasil no caso conhecido como "Guerrilha do Araguaia", em que sobreviventes da guerrilha, dentre eles Amélia Telles e Criméia Almeida, processavam o país, tentando obrigá-lo a reparar as vítimas da Ditadura e revogar a Lei da Anistia.

O governo brasileiro, até o momento, não tomou conhecimento da sentença.

Desde a chamada re-democratização, em 1985, diversos grupos lutam para garantir o direito das vítimas da Ditadura, buscando reparação financeira, condenação aos criminosos, abertura dos arquivos e manter viva a memória histórica nacional. Online, há também uma grande mobilização permanente de blogueiros que buscam dar publicidade a casos de vítimas, pressionam com abaixo-assinados e com blogagens coletivas para manter viva a memória.

A justiça brasileira, mesmo antes da decisão do STF a favor da Anistia, vem dificultando a procura por corpos de desaparecidos, ao mesmo tempo em que o exército demonstra extrema má vontade em buscar pelos corpos de guerrilheiros ainda hoje enterrados em  valas comum na região do Araguaia, no centro do país.

Por outro lado, o governo brasileiro, hoje com uma ex-presa política e ex-guerrilheira como Presidente, Dilma Rousseff, pouco se movimenta no sentido de abrir os arquivos ainda secretos da Ditadura. Durante a discussão no STF sobre a anistia Dilma Rousseff, ainda Ministra de Minas e Energia, declarou acreditar se tratar de "revanchismo" a tentativa dos grupos de direitos humanos de revogar a Lei e deu total apoio à decisão.

O então Presidente Lula, por sua vez, elevou o tempo para que arquivos secretos sejam divulgados para o público, tornando impossível para os sobreviventes terem acesso mesmo a seus processos em tribunais militares enquanto viverem.

As últimas ações do governo federal foram todas no sentido de não entrar em confronto com as Forças Armadas e, por outro lado, de confrontar os sobreviventes e vítimas da Ditadura e negar-lhes seu direito e o direito de toda a população brasileira, de conhecer e passar a limpo seu passado.
Passados 26 anos da re-democratização, o passado do país ainda está envolto em uma cortina negra de segredos e mentiras e os ativistas se perguntam: Até quando?

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Este artigo foi publicado originalmente ontem, no Latin American Bureau

Recomendo também a leitura de post do Global Voices sobre a Blogagem Coletiva pela Abertura dos Arquivos, #DesarquivandoBR
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