A Ditadura Militar no Brasil durou exatos 21 anos, de 1º de Abril de 1964 (o
dia da mentira no Brasil, razão pela qual os militares apontam o dia anterior,
31 de março como dia do Golpe) até 15 de janeiro de 1985 e, durante este
período de grande repressão política, 380 pessoas foram mortas (uma boa parte
de guerrilheiros de esquerda anti-Ditadura, mas muitos estudantes ou
simplesmente cidadãos que não apoiavam o regime), entre as quais 147 continuam
desaparecidos e nada se sabe sobre o destino de seus corpos.
Hoje sabe-se que tanto o golpe quanto o regime consequente foram financiados
pelos EUA em uma aliança regional entre ditaduras na América Latina chamada de
Plano Condor, ou seja, uma rede gerenciada pelos EUA que mantinha ligação
efetiva e constante entre os países da região que estavam (ou logo estariam)
sob regimes ditatoriais, promovendo a manutenção do status quo e dando apoio
logístico e financeiro à derrubadas de regimes democráticos, como o Chile de
Salvador Allende, derrubado por Augusto Pinochet em 11 de setembro de 1973.
Durante os chamados "Anos de Chumbo", milhares de brasileiros e
brasileiras foram vítimas de tortura sistemática e prisões arbitrárias, inclusive
mulheres grávidas e, em alguns casos, crianças, filhos dos presos políticos, assistiam às sessões de tortura. Não se sabe ao certo o número de crianças traumatizadas durante o período.
Pela esquerda, foi organizada às pressas uma resistência armada formada por
diversos pequenos grupos compostos majoritariamente por estudantes
universitários que praticavam assaltos à bancos (expropriações) para financiar
suas ações, dentre elas o sequestro de personalidades e embaixadores
estrangeiros. Estes grupos jamais foram grandes u muito fortes e boa parte
destes foram desmantelados depois de intensa perseguição, prisões e torturas,
além de exílios forçados.
Durante o período que se conhece no Brasil como o da abertura, no final dos
anos 70 e começo dos 80, em que a guerrilha tanto urbana quanto rural já havia
sido quase totalmente dizimada e durante o momento em que as Forças Armadas
começavam a sentir que não poderiam mais se manter no poder - aumento
significativo da inflação, aumento significativo da dívida externa brasileira,
crise econômica mundial devido à crise do petróleo no mesmo ano, processos de
re-democratização em países vizinhos -, foi promulgada a Lei da Anistia.
Em 28 de agosto de 1979, o então ditador, João Figueiredo, promulgou a lei
6.683, conhecida como Lei da Anistia que virtualmente “desculpava” os militares
e civis pró-regime que haviam matado e torturado durante o regime de exceção,
já prevendo o fim próximo da Ditadura e a possibilidade de processos contra os
criminosos.
Militares e civis que haviam torturado e matado centenas de brasileiros em
paus de arara, com choques elétricos, afogamento, espancamento dentre outras
técnicas passaram automaticamente a serem inimputáveis, ou seja, jamais
poderiam ser alcançados pela lei de um regime democrático e julgados por seus
crimes.
Crimes como o cometido contra a família de Amélia Telles e Criméia Almeida,
presas e torturadas enquanto a segunda encontrava-se grávida. Criméia Almeida
ainda teve o marido, André Grabois, e o sogro, Maurício Grabois, assassinados
pela Ditadura e criou seu filho sozinha. A filha de Amélia Telles foi presa,
aos 5 anos de idade, junto com a mãe e por anos carregou danos psicológicos
pela situação a que foi submetida e à sua família.
O Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, responsável pela tortura de
Criméia e Amélia, dentre outras centenas, foi o único militar a ser processado
e condenado, em 9 de outubro de 2008, passando a ser considerado oficialmente
um torturador, ainda que a pena não acarretasse prisão ou pagamento de multa,
sendo apenas declaratória.
Até hoje nenhum militar foi punido e os arquivos relativos àquele período
permanecem fechados, secretos, impedindo que as famílias dos 147 desaparecidos
possam enterrar seus entes queridos e saber da verdade.
Em Abril de 2010 o Supremo tribunal Federal tornou ainda mais difícil a
abertura do arquivos e a punição dos torturadores ao julgar a validade da Lei
da Anistia e garantir a eterna impunidade daqueles que, em nome do Estado,
torturaram e mataram.
Porém, na véspera do natal de 2010, a Corte de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos (OEA) julgou e condenou o Brasil no caso
conhecido como "Guerrilha do Araguaia", em que sobreviventes da
guerrilha, dentre eles Amélia Telles e Criméia Almeida, processavam o país,
tentando obrigá-lo a reparar as vítimas da Ditadura e revogar a Lei da Anistia.
O governo brasileiro, até o momento, não tomou conhecimento da sentença.
Desde a chamada re-democratização, em 1985, diversos grupos lutam para
garantir o direito das vítimas da Ditadura, buscando reparação financeira,
condenação aos criminosos, abertura dos arquivos e manter viva a memória
histórica nacional. Online, há também uma grande mobilização permanente de
blogueiros que buscam dar publicidade a casos de vítimas, pressionam com abaixo-assinados e com blogagens coletivas para manter viva a memória.
A justiça brasileira, mesmo antes da decisão do STF a favor da Anistia, vem
dificultando a procura por corpos de desaparecidos, ao mesmo tempo em que o
exército demonstra extrema má vontade em buscar pelos corpos de guerrilheiros
ainda hoje enterrados em valas comum na
região do Araguaia, no centro do país.
Por outro lado, o governo brasileiro, hoje com uma ex-presa política e
ex-guerrilheira como Presidente, Dilma Rousseff, pouco se movimenta no sentido
de abrir os arquivos ainda secretos da Ditadura. Durante a discussão no STF
sobre a anistia Dilma Rousseff, ainda Ministra de Minas e Energia, declarou
acreditar se tratar de "revanchismo" a tentativa dos grupos de
direitos humanos de revogar a Lei e deu total apoio à decisão.
O então Presidente Lula, por sua vez, elevou o tempo para que arquivos
secretos sejam divulgados para o público, tornando impossível para os
sobreviventes terem acesso mesmo a seus processos em tribunais militares enquanto
viverem.
As últimas ações do governo federal foram todas no sentido de não entrar em
confronto com as Forças Armadas e, por outro lado, de confrontar os
sobreviventes e vítimas da Ditadura e negar-lhes seu direito e o direito de
toda a população brasileira, de conhecer e passar a limpo seu passado.
Passados 26 anos da re-democratização, o passado do país ainda está envolto
em uma cortina negra de segredos e mentiras e os ativistas se perguntam: Até
quando?
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Este artigo foi publicado originalmente ontem, no Latin American Bureau
Recomendo também a leitura de post do Global Voices sobre a Blogagem Coletiva pela Abertura dos Arquivos, #DesarquivandoBR
Blog de comentários sobre política, relações internacionais, direitos humanos, nacionalismo basco e divagações em geral... Nome descaradamente baseado no The Angry Arab
sexta-feira, 1 de abril de 2011
Os arquivos secretos da Ditadura Militar Brasileira: A Anistia perpétua.
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Os arquivos secretos da Ditadura Militar Brasileira: A Anistia perpétua.
2011-04-01T10:30:00-03:00
Raphael Tsavkko Garcia
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