terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Big Brother Brasil: O show da degradação da vida

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Antes de mais nada, deixo claro - e o título não esconde - que sinto total desprezo e asco por esse programa, que considero um dos - senão o mais - asqueroso da TV brasileira. Um programinha baixo, sem qualidade, onde pessoas em geral vazias colocam suas vidas inúteis na TV para que milhões de pessoas se imbecilizem em conjunto.

Claro que isso não quer dizer que TODOS que assistem ou mesmo que participaram do programa sejam vazios, há quem simplesmente tenha gosto pelo grotesco ou, bem, não sei, que simplesmente consiga gostar e tudo aquilo.

Mas enfim, falemos sobre o caso de estupor envolvendo dois participantes. Assisti ao vídeo colocado no youtube e que a Globo vem caçando em todas as redes para tentar apagar o óbvio: Houve estupro.

Para quem se surpreende com a declaração, pois não é possível ver nem afirmar que houve penetração, uma dica: Procurem conhecer a legislação, não é preciso haver penetração para se ter um estupro. A vítima, como toda mulher, foi interpelada, questionada, enquanto o autor do crime nada sofreu - ao menos dentro da casa e aos olhos dos diretores e produtores daquele lixo midiático.

A garota sequer lembra do ocorrido, embrigada e possivelmente sofrendo de amnésia alcoólica. O autor do crime mal sabe da reação fora da "casa" aos seus atos.

Mas meu objetivo com esse texto não é, em si, discutir o estupro, se houve ou não e etc, acredito que não faltem textos excelentes, como os da Maíra ou da Maria Frô ou ainda o impecável e definitivo artigo do Alex Castro sobre estupro, mas sim tentar entender porque acredito que essa história toda não vá dar em nada.

Qual o público alvo do BBB? A chamada Classe C, que vem ascendendo socialmente, tendo crescente poder de compra e que, no fim, carece de educação de qualidade ou mesmo formal, é em geral conservadora (apesar disso parecer anacrônico) e consome qualquer lixo que lhes é imposto.



Claro que esta classificação é sujeita a erros, e não à toa, a definição de classe média ou classe c é extremamente polêmica e complicada, mas vem se enraizando mesmo no discurso da pseudo-esquerda com Dilma no poder, que sonha com um país de "classe média".

O fato é que mesmo não sendo homogênea, a classe c é tratada como se fosse. Produtos são criados especificamente para ela em detrimento de outros e mesmo de elementos da própria que desviam do considerado padrão - a dublagem forçada de programação da TV paga é um exemplo disso.

Se não é característica inerente da classe c, há uma enorme tentativa de torná-la uma massa amorfa e alienada, "educada" em uniesquinas com bolsas do governo feitas sob medida para dar uma aparência de seriedade na isenção fiscal a instituições capitalistas e mercenárias mais ou menos ligadas ao governo, única e absolutamente voltada ao consumo, mas sem inclusão ou dignidade.

Comprar não garante dignidade, especialmente quando comemoramos que pessoas morem na favela, mas tenham o "direito" a carro do ano e TV de plasma, mas ainda submetidos a uma realidade social muito aquém da ideal - não que eu esteja estigmatizando a favela, mas apenas apontando os contrastes.

Dignidade não é entregar uma conexão via PNBL que é tão tosca que sequer consegue ser risível, mas é de embasbacar. Um produto entregue a uma classe vorazmente consumidora, mas feito nas coxas, na base do "qualquer merda pra essa classe é boa, eles não reclamam e gostam do que damos, mesmo migalhas".

Não há nenhuma preocupação com a transformação efetiva desta classe amorfa em uma classe efetiva, consciente de seu lugar no mundo e pronta a lutar por real inserção e dignidade. É do interesse de governo e mídia - lembrando que um financia o outro, cada um a sua maneira - manter a classe indistinta, amorfa, inchada e sem identidade própria, apenas alimentando seus preconceitos no estilo "pão e circo" e impondo a ela entretenimento rasteiro que a faça pensar apenas o mínimo necessário para apertar alguns botões e, num mundo maravilhosamente democrático, decidir que saradão ou gostosona vai ganhar algum dinheiro.

Neste meio tempo, são criados mitos, heróis e, claro, putas. Mulheres que representam muitas vezes o ideal de beleza de muitos e muitas, mas que também são tratadas como lixo, como produto descartável, como objetos sexuais que, se desviam de um padrão deturpado imposto, caem ao último patamar do inferno.

É um jogo de aparências, em que as normas não são escritas, mas devem ser seguidas. Se expor, garantir aos onanistas de plantão um peito o uma bunda mostrada em close em rede nacional, fazer suspirar marmanjos e mulheres, que também sonham com aquele silicone, com aquela exposição e "fama", por mais efêmera que seja, é motivo de orgulho. Mas desviar do "padrão" é razão para virar puta, para ser tratada com desprezo e para de vítima, virar algoz.

A garota estuprada no Big Brother tinha - e ainda tem - tudo para virar mais um sex symbol efêmero, posar em alguma revista masculina, figurar em páginas de fofocas e no imaginário de homens e mulheres por algumas semanas, quiça meses, desde que não quebre as regras do jogo. De um jogo de sedução, de sexo, de suposto prazer em que, por estar ali, exposta, deve se entregar totalmente, sem condicionais.

Não houve estupro, dirão uns e outros, mas sim algo que é parte do jogo. É apenas "amor", como disse Pedro Bial. A sensação é a de que, ao entrar na Casa, você abdica de sua cidadania, de seus direitos, de sua dignidade.

Você entrou então tem de estar preparada para se expor e ser exposta no "jogo da vida", mesmo que este tenha se tornado um show da degradação da vida.
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