segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Cracolândia, uma experiência única em meio a inúmeros contrastes

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"E que eu por ti, se torturado for, possa feliz, indiferente à dor, morrer sorrindo a murmurar teu nome LIBERDADE". Carlos Marighella
Dor, sofrimento, um ambiente caótico e completamente fora da realidade - ou de uma suposta realidade - junto com meu próprio sentimento de irrealidade, de surpresa, de desalento.

É o que posso resumir do Churrascão da Gente diferenciada que aconteceu na Luz, na famigerada Cracolândia, onde pude ver - porem sem ainda acreditar - onde centenas de pessoas vivem como animais, como se não fossem gente.

De um lado da rua prédios e moradias normais, um salão de beleza, bares... Como se estivéssemos em qualquer bairro de classe trabalhadora de são Paulo ou  de outras grandes cidades. Do outro, um edifício semi-demolido, com janelas emparedadas, totalmente pixado e, claramente assustador.

A "city cracko", como diz uma pixação logo em sua entrada. Uma casa de dor e sofrimento que não precisava da PM para ampliar sentimentos e sensações tão comuns àquele local.

A visão tão estranha de uma aparente normalidade de um lado da rua para a completa degradação humana loco na frente me chocou. Admito que, na hora, pouco pensei sobre, mas ao contrário do normal, não consegui gravar muito ou tirar muitas fotos. fiquei apenas ali, encontrando com amigos e conhecidos e num estado meio de torpor, salpicado pelo medo de uma ação violenta da PM, que rondava com cara de poucos amigos e que, à medida que o tempo passava, aumentava seu efetivo e às vezes até faia um showzinho com viaturas em alta velocidade circulando pelas ruas que iam esvaziando.

Os que ficavam diziam que temiam uma "resposta" violenta da PM frente à nossa manifestação, como se quem já não tinha nada e vive em meio às drogas e a miséria merecessem ser castigados por mais alguma coisa.

É difícil pensar em humanidade ou mesmo em sociedade quando nos deparamos com a Cracolândia, com que vive lá, com que sofre lá. O ódio contra "autoridades" que tratam aquelas pessoas pior do que tratam animais peçonhentos apenas cresce, transborda. O fascismo de um governo (municipal, estadual e federal) que se recusa a tratar com humanidade pessoas que não perderam a sua, que amam, que sofrem e, contra tudo que foi dito, raciocinam e tem plena capacidade de argumentar e acima de tudo, de entender e lamentar sua situação, me deixa sem palavras.

Ou melhor, me deixa com mais ódio ao ponto dep recisar moderar as palavras que me surgem e tentam transbordar. Acredito que deveria ser obrigação de todos e todas que sobem no pedestal para dizer que quem está na Cracolândia deve ser FORÇADO a se "tratar" ou que deve ser tratado como animal, fazer uma visitinha ao local e conversar com quem vive lá. É uma verdadeira mudança de vida, na forma como se enxerga o outro.



Muita gente pensa - tem certeza - de que jamais se veria naquela situação. De que um parente, um amigo seu jamais se "rebaixaria" até aquele ponto. E é esta certeza que move, em parte, o preconceito, o estranhamento, a sensação de que não tem nada a ver conosco, porque são "diferentes", pessoas fracas, incapazes, alheias ao nosso círculo social.

Estão enganados. Não vive na Cracolãndia apenas aqueles que já naturalmente - na visão preconceituosa, claro - seriam as principais vítimas das drogas: Prostitutas, pobres, moradores de rua, gente sem educação e etc.

Não faltam estudantes universitários, filhos da classe média, mães e pais de família, "gente como a gente". Aliás, é terrível que alguns precisem de "gente como a gente" para se sensibilizar com a miséria humana, mas infelizmente essa é nossa realidade.

Mas, enfim, foi uma experiência dolorosa. Mas necessária e válida. Foi interessante - não é bem a palavra - ver usuários, dependentes e moradores de rua em meio a ativistas, ongueiros e curiosos que lá foram para protestar, ainda que os contrastes apenas fizessem parecer mais aberrante a disparidade econômica e social da cidade e deixasse ainda mais clara a situação desesperadora dos que moram na região.

Fica a raiva e o ódio contra quem faz questão de perpetuar e até piorar essa situação e uma vontade desesperada de poder fazer algo além de simplesmente ter ido, por um dia e depois poder voltar para casa, para minha casa, onde tenho tudo, frente a uma realidade de quem não tem nada, nem dignidade.

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Manifesto lido durante o evento.

Recomendo a leitura do post do querido Pádua Fernandes, que também esteve lá e, apesar do governismo fanático e de me odiar, o post do Eduardo Guimarães também merece ser lido e compartilho do sentimento.
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Algumas fotos:
Chegada, por volta das 17h
Um duplo arco-íris se forma. Devemos ter esperanças?
Casarão onde "viviam" os dependentes, abandonados pela sociedade.
Muito do lixo no lugar foi removido. Imaginem como era antes. Váriosratos caminhavam pelo lugar, do tamanho de gatos.
Por estes corredores quantas vidas se perderam?
Reparem na bela homenagem a nosso prefeito higienista
Bem vindo à cidade do crack - Welcome City Cracko
O arco-íris persistiu na paisagem degradada do centro
A polícia resolveu acabar com o "espetáculo".
Foi horrível... E continuará sendo?
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Na sequência, quatro vídeos curtos com discursos que merecem ser vistos e ouvidos:



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