terça-feira, 13 de março de 2012

O que há de errado com #Kony2012 ou a ingênua "boa vontade" estadunidense

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Acredito que muitos (todos?) conheçam o vídeo da ONG "Invisible Children" #Kony2012:
O objetivo da ONG não era homenagear Kony, líder do grupo rebelde Lord’s Resistance Army, de Uganda, tristemente conhecido por sequestrar garotos de suas famílias e, pelo medo, transformá-los em guerrilheiros, matando e mutilando suas famílias e seus vizinhos. O anonimato facilitava a fuga de Kony pela África, por isso a Invisible Children se propôs a torná-lo uma celebridade divulgando seu rosto e fazendo com que cada pessoa no mundo possa identificá-lo e prende-lo ainda em 2012.
O vídeo bateu todos os recordes no Youtube, foi o mais visto da história e, à medida que se aproxima a data marcada para o evento mundial programado pela ONG, o sucesso da iniciativa ficou absolutamente claro.

O vídeo é muito bem feito - apesar de ter sido criticado por ser muito caro -, e a propsota de mobilização idem. Poucas vezes vi uma campanha basicamente online - mas com desdobramentos offline, claro, e com iniciativas offline - ser tão bem feita, ter atingido tão perfeitamente um alvo e causar tamanha repercussão.


Além das redes sociais, após imenso sucesso, o vídeo, a campanha e a ONG foram citadas e saudadas na mídia convencional, garantindo aind mais visibilidade.

Mas, enfim, porque critico e chamo-os de ingênuos.

Bem, a ONG basicamente nasce da iniciativa de um rapaz que, abismado e revoltado com a violência em Uganda perpetrada por Joseph Kony e pelo LRA (Exército de Resistência do Senhor), um grupo cristão fanático e assassino, resolve fazer alguma coisa para acabar com o grupo, através da prisão de seu líder.

Já acredito caber uma crítica inicial, a de que talvez seja ingênuo acreditar que um grupo com milhares de adeptos simplesmente se desmobilizaria pela prisão/morte (ainda que a ONG pregue a prisão e não a morte, mas sabemos que a segunda opção é até maisprovável) de seu líder. O grupo poderia se enfraquecer, é verdade, mas também poderia se dividir em pequenos e ainda mais fanatizados grupos, pulverizados e de maior mobilidade.

Mas este nem é o principal problema.

A grande questão está na forma escolhida para mobilizar, além da via online e através de ativistas, e no que pregam como solução para prender/matar Kony.

Primeiro, vamos à questão da mobilização.

A ong escolheu um numero de "celebridades" e políticos, mas sem se preocupar absolutamente com posições ideológicas, chegando a aceitar o apoio de Rush Limbaugh, um conhecido fanático racista de extremíssima direita.

Acho lindo que alguns queiram colocar as diferenças ideológicas acima de uma causa, mas para tudo há limite. E Limbaugh não é o único exemplo utilizável, talvez apenas o mais fácil.

A idéia de colocar a causa acima de ideologias pode esbarrar em obviedades, como a de um fanático participando de uma campanha contra outro fanático.

Segundo ponto, e talvez o mais problemático, é o de "como" a ong propõe uma solução: Através do envio de tropas dos EUA - mesmo que "apenas" como consultoras à Uganda.

Vejam bem, quem, de forma sensata, iria querer mandar marginais uniformizados, capazes de cometer os piores atos de genocídio, para resolver um problema em Uganda?

Não acredito que o exército local seja capaz - ou mesmo queira - resolver o problema, mas acredito que seja muito mais interessante - além de viável e politicamente mais simples - o envio de tropas da União Africana ou mesmo tropas de paz da ONU com mandato para agir (e não para servirem de palhaços como no Genocídio de Ruanda, país vizinho).

Me parece algo da típica ingenuidade de muitos estadunidenses, que acreditam piamente que seu exército e seu país são verdadeiros bastiões da liberdade e que servem como pacificadores no mundo. Nada poderia ser mais mentiroso.

Disfarçada de boas intenções (e acredito que seja isso mesmo), a campanha da ONG se propõe a ampliar a presença dos EUA na região, encruzilhada importante na África, em um país vizinho de países problemáticos e que interessam aos EUA, como o Sudão do Sul e o rico Congo, e a um pulo do Chifre da África.

Geopoliticamente - e economicamente - uma região de grande importância e interesse.

E que melhor chance para os EUA entrarem lá e andarem livremente do que à convite, motivados por uma campanha internacional pela paz na região?

É o momento em que a ingenuidade ativista se junta com a vontade política de um Estado criminoso e poderoso com permissão - carta branca - para treinar, "acessorar" e manipular um exército livremente, no caso, o de Uganda. Todos sabemos o que significa a intervenção dos EUA em países estrangeiros, não é preciso ir muito longe.

Abrir um precedente desses, de uma espécie de intervenção dos EUA como forma de dar vazão aos anseios de ativistas bem intencionados é extremamente perigoso. NAda impede que, futuramente, o próprio governo dos EUA possa se valer de alguma ONG de fachada com alguma campanha bem bolada para influenciar a opinião pública a apoiar invasões e terrorismo de Estado... Se bem que...

A campanha, mesmo bem intencionada - e estou dando um crédito a eles -, caiu como uma luva no colo dos interesses estadunidenses.
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