Copio abaixo uma carta do diretório estadual do PSOL de Pernambuco, na qual denuncia a ação de grupos evangélicos para satanizar o PT e Dilma e, claro, ferir o Estado Laico. A carta ataca as tentativas toscas das alas conservadoras de atacar os avanços do governo e o PT em si, mas acertadamente deixa bem claras as diferenças entre o PSOL e o PT, diferenças estas que assino embaixo e que, pelo tom, demonstram um amadurecimento significativo das posições Psolistas.
Os argumentos são contundentes.
Ao mesmo tempo em que se solidarizam com o PT, em especial com a militância, deixa claras as diferenças programáticas e de visão de país, criticando a política de alianças espúrias, a manutenção do modelo econômico e o uso do capital político Lulo-Petista par a aformação de maioria parlamentar e não de uma real e profunda transformação do país.
Um ponto da carta me chama a atenção: "Lideranças desta campanha contra o PT, absurdamente, estão hoje coligadas eleitoralmente com o próprio PT.". Fato. Evangélicos, coronéis, lideranças regionais de décadas e, em muitos casos, figuras grotescas da política nacional estão hoje de braços dados com o PT/Governo e, ao mesmo tempo, são os legítimos representantes dos que tentam, ironicamente, derrubar o governo ou, através de suas atitudes, levar o governo mais e mais para a direita, o constrangendo.
As igrejas evangélicas representam o que há de pior em termos de medievalismo, preconceito, homofobia e atraso. Mas, curiosamente, muitas estão ligadas profundamente ao governo e são, em grande parte, reponsáveis pelos recuos na área dos Direitos Humanos por parte do governo, vide o PNDH-3, abandonado.
As oligarquias que o PT historicamente combateu, hoje, são parte mais que importante do governo. Hélio Costa, Collor, Sarney... Se por um lado é possível afirmar que, sem alianças não haveria governo e nenhum dos avanços que conseguimos seria factível, por outro é também possível afirmar que o capital político de Lula foi em muito desperdiçado.
Com uma votação imensa, aprovação nas alturas e praticamente idolatrado pelo povo, Lula cedeu demais.
"Os ataques que o PT sofre agora desses setores, portanto, são subprodutos das opções que este fez ao chegar ao poder. O PT e sua candidata estão, apenas, começando a comer a papa quente que cozinharam alegre e malandramente."Esta frase, infelizmente, é a mais pura e dolorosa verdade. Mas, ao meu ver, cabe ao PSOL, junto com os movimentos sociais, pressionar o PT, o governo e as forças progressistas. Afastar o atraso da máquina estatal e propor reais mudanças, profunda, para o país.
As críticas contidas na carta, enfim, são corretas, acertadas e lúcidas.
Eis a carta, publicada pelo Blog da Folha [de Pernambuco] e um pouco mais sobre o assunto:
As forças mais conservadoras presentes na sociedade brasileira articulam-se neste período eleitoral para atacar duramente o Partido dos Trabalhadores. O objetivo indisfarçável é atingir a sua candidata à presidência da República a partir de um confronto nitidamente ideológico e assim abrir espaços para o avanço de outra candidatura que vem se aventurando a absorver e representar abertamente um brutal retrocesso na consciência social do povo brasileiro.
Em Pernambuco esta articulação pôde ser vista, dentre outras manifestações, em uma carreata que seria promovida por pastores de algumas denominações evangélicas no município de Jaboatão. O objetivo explícito é “satanizar” o PT e sua candidata à presidência, a partir de temas que entram em confronto direto com o Estado laico que todas as forças progressistas, republicanas e democráticas do nosso país têm a obrigação de defender. O mote de defesa da família usado nesta campanha é conhecido e, como em outros momentos da história brasileira, funciona como aríete para arrombar as portas da República e, conseqüentemente, atacar os direitos humanos.
Neste sentido, o diretório estadual do PSOL-PE, através de sua candidatura ao governo do Estado, externa publicamente que suas diferenças com o PT e o governo Lula não se confundem com as dos setores que fazem esta campanha, e solidariza-se com o Partido dos Trabalhadores especificamente contra esta campanha ideológica claramente retrógrada, direitista e oportunista. Reafirmamos que temas relativos aos direitos humanos são universais e indivisíveis e precisam ser defendidos por todos os atores sociais que comungam de forma honesta seu compromisso com a dignidade humana.
Por outro lado, é necessário afirmar, também, que as diferenças entre o PSOL e o PT são muitas e profundas. Dentre estas, tem destaque a orientação da política econômica dos oito anos do governo Lula, que privilegia os banqueiros. Destaca-se, também, o real “modo petista de governar”, que assimilou a corrupção e contraiu relações orgânicas com as piores oligarquias políticas do país.
Estas duas críticas principais que o PSOL faz ao PT no poder são exatamente aquelas que explicam a articulação de um fundamentalismo de direita no país, com apelo nos meios populares e urbanos. Os governos de Lula e do PT não usaram o seu capital político e a estabilidade econômica para fazer avançar o nível cultural e humanístico do nosso povo. Usaram seu capital político apenas para formar e usar maioria no Congresso Nacional, em embates eleitoreiros e para escapar das incontáveis denúncias de corrupção.
Nesse jogo, o PT foi se confundindo de forma antes impensável com figuras como Sarney, Collor, Renan, Helio Costa, dentre outros. Na maioria das manobras pela manutenção do poder, Lula e o PT fizeram acordos exatamente com as forças fundamentalistas que hoje os atacam, como no caso do acordo Brasil-Vaticano, em que a bancada evangélica no Congresso também exigiu seu quinhão na semi-teocracia em construção. Lideranças desta campanha contra o PT, absurdamente, estão hoje coligadas eleitoralmente com o próprio PT.
Com esta postura política, Lula e o PT abandonaram completamente a condição de serem parte da reserva moral na sociedade brasileira, em favor do posto de campeões da malandragem na manutenção no poder, a famosa blindagem de Lula. Mas, na política não há vácuo, e assim como há uma rearticulação das forças democráticas, progressistas, éticas e de esquerda no país, na qual o PSOL se insere, há também uma rearticulação de forças conservadoras sobre a vaga ética aberta pelo PT. Os estandartes da adormecida TFP (Tradição Família e Propriedade) e o discurso udenista golpista já podem ser vistos no horizonte, articulando preconceitos medievais e o oportunismo político de pior tipo.
Com o PT no poder, é verdade, os miseráveis passaram a comer biscoitos regularmente, o que é bom. Os mais pobres passaram a ter geladeira e computador, muito bom também. Os menos pobres podem comprar carros. Porém, todos continuam sem saneamento básico, sofrendo com as doenças sem solução, convivendo com as favelas e suas catástrofes, com o transporte público massacrante, com o caos e a violência urbana crescentes, sem educação de qualidade, constituindo uma massa de analfabetos funcionais.
Esta política criou as condições para a edificação na juventude de um exército de reserva para o narcotráfico, para o crack, e de uma base social imensa para setores fundamentalistas ideologicamente conservadores. Uma mistura perigosa e explosiva. Os ataques que o PT sofre agora desses setores, portanto, são subprodutos das opções que este fez ao chegar ao poder. O PT e sua candidata estão, apenas, começando a comer a papa quente que cozinharam alegre e malandramente.
Nós do PSOL entendemos que estabilidade econômica e ampliação do acesso popular a bens de consumo materiais são fundamentais, mas se isto não for compatibilizado com elevação do padrão cultural e humanístico da sociedade, caminharemos para o passado, pois a ética do futuro e do socialismo não é a do ter, mas a do ser.
Recife, 27 de outubro de 2010
Partido Socialismo e Liberdade – PSOL Diretório Regional de Pernambuco