quarta-feira, 2 de março de 2011

Balanço Inicial do Governo Dilma: Política Externa

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Breve análise sobre o possível - e já visível - retrocesso do governo Dilma em relação à Política Externa de Lula/Amorim.
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De início há o - justificado - temor de que tudo que foi conquistado por Celso Amorim seja destruído. E digo justificado pois desde o começo o novo chanceler, Antônio Patriota, dá mostras de ter um estilo totalmente diferente da de seu antecessor.
As previsões de continuísmo, ao menos no plano internacional, do governo de Dilma Rousseff foram abaladas com as declarações recentes da presidente eleita e de seu chanceler, Antonio Patriota. Em entrevista ao jornal “Washington Post”, Dilma discordou da abstenção brasileira na votação da Assembleia Geral das Nações Unidas que apontou violações de direitos humanos pelo Irã. Não é novidade que Dilma pleiteia um governo que possua feição própria, assim discursando seu mentor eleitoral Lula, e que naturalmente seu mandato será um governo diferente. O questionamento tão imediato, porém, põe em cheque a posição controvertida construída por anos pelo governo brasileiro em relação a países violadores de direitos humanos.
Uma novidade trazida pela Dilma - que vai de encontro com a forma pela qual agiu o Itamaraty durante Lula - é o de pautar sua política externa nos "Direitos Humanos". Parece um tema que merece apoio óbvio, porém a questão é mais profunda.

Amorim, em sua política externa progressista, buscou balancear soberania nacional e direitos humanos, e tinha como diretriz imposta ao Itamaraty a tese de não condenar países violadores de Direitos humanos até que todos os canais e meios estivessem saturados, ou seja, o Brasil não ia apoiar sanções e condenações na ONU até que houvesse uma efetiva e exaustiva negociação com o país supostamente a violar os direitos humanos ou a desrespeitar o direito internacional.

Foi isto que levou o Brasil a chegar a um acordo satisfatório com o Irã e a Turquia, enquanto EUA e aliados se limitavam a condená-lo sem terem sequer sentado e conversado sem armas apontadas.

Agora, porém, Dilma resolveu adotar posição de militante dos DH, o que a coloca alinhada com os EUA. Alinhada pois casos sérios de abuso dos direitos humanos que chegam à ONU costumam se limitar aos do terceiro mundo, enquanto potências aliadas ou mais ou menos amigas dos EUA - vide China - jamais são constrangidas a tal ponto.

Isto significa basicamente um maior alinhamento com os EUA e um afastamento considerável do terceiro mundo, algo que foi a bandeira do governo Lula e um marco na nossa política externa.
 
A mesma análise foi feita pelo Azenha no Vi o Mundo, ainda que eu discorde de sua tese de que esta aproximação com os EUA signifique que o Brasil procura chegar ao Conselho de Segurança através das mãos americanas.

Os EUA já tem um candidato de peso, a Índia e, além disso, dificilmente considerariam como positiva a idéia de ter no Conselho um país que faz parte de seu quintal. Seria impensável que um país que tem a obrigação de ser subserviente como um parceiro em pé de igualdade aos EUA, com direito ao mesmo veto, especialmente um país com nosso tamanho e que às vezes tem aspirações que não casam com as dos EUA.

De fato, seria ingenuidade achar que o Brasil conseguiria chegar no Conselho pelas mãos dos EUA. A não ser que a política estadunidense tenha dado uma guinada absurda de uma hora para outra. A Índia serve perfeitamente aos propósitos dos EUA porque precisa mendigar pelo apoio da potência na sua briga com o Paquistão e por toda ajuda econômica que recebe. Além de ser uma forma de irritar a China, potência regional que nunca se deu bem com a Índia.

As hipóteses aventadas pelo Azenha vão das factíveis até algumas que dificilmente poderiam ser críveis:
Testando hipóteses: o Brasil adota o receituário de Washington para os Direitos Humanos (vale cobrar Cuba, Venezuela, Sudão, Irã, Zimbábue, Coreia do Norte; não vale cobrar Estados Unidos, Arábia Saudita, Israel, etc); o Brasil desiste de uma política externa independente e de futuras pretensões nucleares (como fez a França, ao optar por ter seu próprio guarda-chuva nuclear, independente da OTAN); o Brasil compra caças americanos F-18 e ganha o papel de gendarme disfarçado dos Estados Unidos na América Latina (ampliando o papel que já desempenha no Haiti, por exemplo); o Brasil ganha um assento no Conselho de Segurança.
O Brasil pode efetivamente se aproximar dos EUA, mas seria difícil, por exemplo, o próprio PT aceitar críticas explícitas à Cuba ou Venezuela, sem falar no prejuízo que isto traria para o Brasil regionalmente (quando a maior parta da AL está alinhada com o pensamento bolivariano em maior ou menor grau). Outra coisa pouco factível é o Brasil desistir de seu programa nuclear pacífico (o que, aliás, aproxima o Brasil do Irã) que, dizem, tem uma tecnologia que mesmo os EUA querem se apoderar.

O fato é que qualquer aproximação com os EUA depois de 8 anos de uma política externa fantástica e independente de Celso Amorim seria um retrocesso vergonhoso. Amorim e Lula passaram 8 anos cortejando o terceiro mundo por apoio para chegar ao Conselho de segurança - e também atrás de vantagens econômicas, acordos preferenciais - e Dilma e Patriota podem colocar tudo isto a perder.

A mudança que já se pode notar do estilo de Patriota frente ao de Celso Amorim foi a frouxa nota que o Itamaraty lançou em meio à crise no Egito. Pra dizer o mínimo, foi vergonhosa. Além de atrasada e de demonstrar que os temores de alinhamento com os EUA podem ser justificados.

Como todos já sabem, os EUA durante os primeiros dias de protesto buscou livrar Mubarak da pressão, apenas pedindo mudanças no regime, até enxergar que a população não se contentaria. O Brasil foi no mesmo caminho, se limitando a repudiar brevemente a violência sem, porém, sem grandes comentários sobre o regime em si e com críticas apenas tímidas.

Se colocar junto aos movimentos sociais foi pauta da política externa brasileira anterior, assim como se opor aos interesses dos EUA.
O Governo brasileiro deplora os confrontos violentos associados aos últimos desdobramentos da crise no Egito, em particular os atos de hostilidade à imprensa reportados ontem e hoje.
O Governo brasileiro protesta contra a detenção dos jornalistas brasileiros Corban Costa, da Rádio Nacional, e Gilvan Rocha, da TV Brasil, e manifesta a expectativa de que as autoridades egípcias tomem medidas para garantir as liberdades civis e a integridade física da população e dos estrangeiros presentes no país.
Ao reafirmar a solidariedade e amizade do Brasil ao povo egípcio, o Governo brasileiro espera que este momento de instabilidade seja superado com a maior rapidez possível em um contexto de aprimoramento institucional e democrático do Egito.
A Embaixada do Brasil no Cairo continuará prestando assistência a turistas e residentes brasileiros que se encontram no país.
Mesmo na mais primorosa linguagem diplomática, conhecida pelos panos quentes ou mesmo pela luva de pelica, a mensagem do Brasil é simplesmente ridícula. Fraca, tímida, ineficiente e muito aquém da posição anterior da chancelaria.

A lerdeza e ineficiência da Chancelaria brasileira são dignas de nota. Posso destacar dois momentos.

Primeiro, a lerdeza na condenação dos governos do Egito e Líbia, ou melhor, na leve censura, o que nos leva ao principal problema, o da falta de uma condenação contundente, mas apenas do afago aos regimes de então (o de Mubarak, caído, e o de Kadhafi, prestes a cair) e o pedido para a resolução pacífica do conflito. E mais nada.

A nota na crise do Egito:
Ao tomar conhecimento dos recentes acontecimentos no Egito, o Brasil manifesta sua expectativa de que a transição política naquele país transcorra dentro do respeito às liberdades políticas e civis e aos direitos humanos da população, em ambiente de paz e tranquilidade.
O Brasil acompanha com grande interesse a evolução da situação política no país amigo, que, além de parceiro relevante, desempenha papel importante para a estabilidade do Oriente Médio.
Ao solidarizar-se com a população egípcia na busca da realização de suas aspirações, o Brasil reafirma sua confiança de que as lideranças políticas da sociedade egípcia saberão fazer face a este momento
E a nota da crise na Líbia, ainda mais pífia:

Ao tomar conhecimento da deterioração da situação na Líbia, o Governo brasileiro conclama as partes envolvidas a buscarem solução para a crise por meio do diálogo, e reitera o repúdio ao uso da violência.
O Governo brasileiro insta as autoridades líbias a tomarem medidas no sentido de preservar a segurança e a livre circulação dos estrangeiros que se encontram no país. O Governo brasileiro tem a expectativa de que as autoridades líbias deem atenção urgente à necessidade de garantir a segurança na retirada dos cidadãos brasileiros que se encontram nas cidades de Trípoli e Bengazi.
O Brasil com Celso Amorim buscou firmar sua presença no Oriente Médio (com o excelente e memorável acordo Brasil-Irã-Turquia),  e chegou até a ensaiar papel como mediador no conflito Israel-Palestino. A frouxidão das mensagens da Chancelaria agora contrastam fortemente com as atitudes do governo passado.

De atuante e influente, interessado em realmente resolver as questões e negociar saídas para um país irrelevante, tímido, hesitante e sem qualquer interesse em influenciar a região. Enquanto acontece a crise na Líbia Patriota desfila ao lado de Hillary Clinton e prepara a visita de Obama ao Brasil, não podia ser um sinal mais significativo da subserviência frente aos EUA que se desenha.

Os 8 anos de diplomacia atuante do Brasil parecem ter dado lugar aos 8 de política externa vergonhosa de FHC e Celso Lafer, mas ainda sem o Chanceler tirar o sapato.

Cabe a leitura do artigo que escrevi para o Correio da Cidadania sobre as diferenças entre a política externa de Lula (Amorim) e de Dilma (Patriota).
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