sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A Apartheid do Futebol e a TV por Asssinatura

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Enquanto eu assistia ao jogo Palmeiras e Santo André, pensando porque o Palmeiras não entrava em campo fiquei pensando no curioso fato do jogo ter sido transmitido para a Capital com a cidade de Santo André sendo considerada "interior" ou outra praça e comecei então a raciocinar sobre a razão da proibição de jogos "da praça" de serem transmitidos pela TV aberta - basicamente, pela Globo.

Até certo ponto é compreensível que a TV seja proibida de passar os jogos locais, sob pena de públicos pequenos ou irrisórios nos jogos. Quem irá ao estádio se pode assistir ao jogo no conforto da sua casa?

Claro que a resposta a esta pergunta, no Brasil, é lógica. Mas na verdade ela deveria ser reformulada: Quem irá a um estádio sem qualquer condição, desconfortável, sem qualquer atrativo além, enfrentando um trânsito caótico e a violência urbana se pode ficar em casa vendo o jogo pela TV?

Na Europa estamos acostumados a ver casas cheias, mas isto não tem qualquer relação com o fato dos jogos serem ou não transmitidos e sim pela estrutura e qualidade dos estádios (alguns contam até com shoppings, restaurantes, enfim, entretenimento para além do jogo, você pode chegar na hora do almoço e sair só depois da partida que terá tido uma tarde interessante), e também porque não enfrentam os perigos da violência urbana do Brasil.

No Brasil àquele que vai ao estádio o faz por paixão, amor ao clube ou, ainda, é um saudosista dos bons jogos de domingo à tarde. Ir a um estádio no Brasil é quase uma aventura. Levar a família é quase um ato de loucura, na europa os estádios são ambientes muito mais familiares ou, pelo menos, com maior estrutura para receber a todos.

Enfim, o que se vê é que para a maioria é realmente mais cômodo ficar em casa do que enfrentar um jogo ao vivo. Mas esbarramos na praça, na proibição da transmissão de jogos locais.

Chegamos ao segundo problema e, aqui, vemos um imenso preconceito contra o pobre e o favorecimento absurdo das classes mais altas, dos que podem pagar mais.

Os jogos de futebol da praça não passam somente na TV ABERTA! Mas, na fechada, por assinatura - que excetuando o famoso "NetCat" só pode ser tradicionalmente adquirida pelas classes mais altas - a transmissão é livre!

Então vejam o raciocínio, aos pobres resta ir aos estádios ou acompanhar o jogo pelo rádio, mas para quem pode pagar mais, a TV fechada (SporTV, da Globo), é a solução.

O que vemos é o máximo do preconceito contra o pobre, forçado a enfrentar todas as intempéries para assistir ao jogo de seu time do coração enquanto a Classe Mé(r)dia assiste confortavelmente ao jogo da sala de casa, sem precisar se misturar, se estressar...


Mas a coisa não para por aí, com a popularização da TV por assinatura e os preços mais atrativos, a classe "c" chegou lá e agora pode ter uma assinatura básica. O que fizeram então os donos dos direitos de transmissão e a elite no geral que, além de não se misturar nos estádios ainda se recusa a assistir os mesmos canais temendo se sujar? Criaram o Pay-Per-View (PPV).

A TV por assinatura em sí tem um caráter elitista, mas neste ponto não é possível criticá-la como um todo, pois muito de sua programação é voltada para nichos específicos, possui programação segmentada - impossível de se manter se os canais fossem abertos - e uma estrutura diferenciada. É tão ridículo manter inalcansável para a maior parte da população quanto é estúpido baixar o nível para adequar ao gosto dos que sofreram lavagem cerebral da TV Aberta. Todos perdem.

A popularização com a manutenção da qualidade deveria ser uma meta, mas na verdade a qualidade em muitos casos cai e a programação mais atraente, por outro lado, torna-se a mais inalcansável, mais cara, mais exclusiva.

Hoje a moda é do "exclusivo". Quem não sente vontade de vomitar quando assiste à centenas de propagandas de imóveis, roupas, carros e afins, todas anunciando que são de "alto padrão", "exclusivos", "diferenciados", compreendendo que isto significa apenas que não é para os pobres? É só para a pequena elite que pode se dar ao luxo de pagar ou, nos casos mais comuns, para a Classe Mé(r)dia que pode comprar e dividir em 500 meses no cartão de crédito para ostentar e mostrar aos amigos como é bem de vida.

Além de pagar pela TV por assinatura ainda temos que assinar um pacote além - costumeiramente caro - para ter acesso aos jogos. Os canais que antes passavam futebol agora passam um ou outro jogo perdido, preferindo deixar o melhor para quem pagar mais.

Quem conseguiu chegar até a TV paga não pode aproveitar de seus benefícios, pois é preciso pagar sempre mais para ter acesso à alguma programação de qualidade e, no caso do futebol, é preciso pagar quase uma nova assinatura. O pobre continua forçado a ir aos estádios ou ouvir pelo rádio enquanto a classe mais alta pode sentar na poltrona da sala, colocar o "uísque" no copo e torcer por seu time.

Tudo é minimamente programado, acertado e planejado para excluir o máximo possível, para legitimar o verdadeiro apartheid social que existe no Brasil.

Os "de baixo" não podem, em hipótese alguma, ter acesso ao que a elite tem, não pode haver mistura ou confusão. Isto é fato no caso do futebol, mas pode ser observado em quase todos os casos. As festas, eventos e acontecimentos tradicionalmente democráticos são cada vez mais esvaziados. O rico vai de camarote, vai de salas especiais, tem pacotes exclusivos, tem moradias exclusivas, longe da "pobretada" em geral, excluída, limitada e humilhada.
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Comentários
2 Comentários

2 comentários:

Jorge Adamatti disse...

Meu amigo Garcia, gostei muito do que você disse. Entretanto a culpa do consumismo em nossa sociedade não é da Classe Média e sim daqueles que controlam a mídia e dos publicitários. O mundo que vemos nas propagandas é irreal e estimula o consumo absurdo de coisas sem utilidade real ou conforto garantido, onde uma marca vale muito mais do que um tecido ou fabricação de boa qualidade. A Classe Média, assim como a Classe Trabalhadora é refém deste comportamento imposto pela mídia em novelas, filmes, sitcoms e propagandas nacionais, seguindo um modelo que existe de forma muito mais moderada lá fora do que aqui. Finalmente, sua opinião toca em um ponto interessante sobre programação segmentada para certos nichos da sociedade que existe na TV paga. Eu por exemplo só porque quero assistir um único canal de ficção científica sou obrigado a ter o plano de assinatura mais caro para tê-lo, e isso tanto na NET como na SKY, sem outras alternativas. Um conteúdo tão específico que não justifica ir para TV aberta, mas não tão valioso para custar tão caro. E como o futebol tem um público fiel, apesar de bem menor, em todas as classes sociais.

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Adamatti, quanto tempo!=)

Em parte o consumismo é propagado pela própria classe média, ela não apenas sofre a lavagem cerebral como também a reproduz. E, não nos esqueçamos, a elite é a responsável pelo direcionamento, veja que marquei bem a diferença entre a elite pura e a classe média. A elite que domina os meios de comunicação é a criadora desses ideáis e padrões de consumo absurdos, prontamente absorvidos pela classe média em geral que quer se diferenciar dos pobres - muitas vezes da classe de onde saiu e não quer mais voltar.

MAs sua análise está perfeita, existe realmente a situação do refém e de propagandas irreais e consumismo desenfreado.

Meu caso, assino a TTD da Telecômica, eu não assisto a nenhum canal do plano básico praticamente, mas sou obrigado a tê-lo, já para ter acesso à TeleSur e BBC, os canais que mais assisto, tenho que ter outro pacote mais caro, para assistir a filmes é outro parto e por aí vai... PAgamos pelo que não queremos e muito caro pelo que queremos.

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