quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Perigosos paralelos: Irã e Honduras ou quando palavras importam

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Em diplomacia e política externa, uma vírgula pode fazer toda a diferença.

Numa notícia veiculada ontem pelos jornais os EUA reconheciam formalmente Ahmadinejad como presidente do Irã. 5 palavras carregadas de significado.
"'Ele é o líder eleito', respondeu o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, a um repórter que lhe perguntou se a Casa Branca reconhecia Ahmadinejad como o presidente legítimo do país."
Legitimidade não é exatamente a questão Ahmadinejad ou qualquer outro presidente não seriam reconhecidos como "legítimos" pelos EUA semque houvesse um desmantelamento do regime islâmico. A questão é mais profunda, os EUA reconheceram, enfim, que Ahmadinejad foi eleito, passando por cima da fraude, dos protestos e aceitando-o como possível interlocutor caso haja alguma vontade de diálogo futuro.

Se por um lado os EUA buscaram não se intrometer - ao menos no discurso - nos assuntos iranianos, inaugurando uma suposta nova era com Obama, por outro, com estas simples palavras, denunciaram que a não-intervenção dos EUA se tornou o apóio tácito à fraudes e golpes.

O apóio, ainda que tácito e sem entusiasmo dos EUA à Ahmadinejad, é emblemático. Por mais que não influencie, na prática, os protestos da oposição legítima, por outro, acaba tendo um efeito psicológico negativo. Os EUA jogaram a toalha, se antes se distanciavam, agora reconheceram como fato consumado que Ahmadinejad venceu, sem levar em consideração a forma.
Sob críticas da oposição, que pedia uma ação mais firme em favor dos manifestantes, Obama falou em favor do diálogo e do direito de manifestação no Irã, com cautela para não ser acusado de interferência pelo governo do Irã, como o líder supremo fez no sermão em que ordenou aos iranianos que aceitassem o resultado da eleição.
Em lugar da não-intervenção radical os EUA ultrapassaram a neutralidade e foram direto para a aceitação do "inevitável". Dois extremos indesejados e indesejáveis.

O paralelo que podemos traçar com Honduras é claro.

Tanto quanto no caso Iraniano quanto no caso Hondurenho - salvas as suspeitas dos EUA estarem envolvidos em ambos os casos - os EUA, ou ao menos Obama, adotaram uma posição mais próxima da neutralidade e da conciliação - por mais pernicioso que este posicionamento possa ser, especialmente no caso Hondurenho - mas sem reconhecer, felicitar ou fazer afirmações falsamente inocentes as carregadas de significado os governos golpistas de Micheletti ou Ahmadinejad.

O que vemos é uma mudança substancial, ainda que em tom quase neutro ou insuspeito.

Se hoje vimos o reconhecimento de Ahmadinejad como presidente legal e por direito do Irã, nada impede que amanhã o porta-voz da Casa Branca anuncie que "se esgotaram todas as vias de negociação em Honduras" ou ainda que "não existe clima para a volta de Zelaya".

Qualquer variação destas duas terríveis frases/possibilidades "inocentes" seria o mesmo que reconhecer: Micheletti venceu e perdeu o povo Hondurenho.

Especificamente em Honduras, os EUA não vem tendo um papel relevante - assim como o Brasil de Lula, suposto líder da América Latina -, mas é inegável a sua força e relevância, mesmo que sem muito interesse. Uma palavra dos EUA, uma frase mal colocada ou mal interpretada pode fazer a balança de poder se desequilibrar.

Todas as atenções estão voltadas aos EUA.
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Comentários
2 Comentários

2 comentários:

Cícero disse...

Raphael,

Não vou mais elogiar seus posts, beleza? haha.

Sem dúvida os EUA sabiam, ajudaram e tiram proveito do golpe em Honduras.
O que me deixou (e deixa ainda) "espantado" é como os chamados intelectuais, jornalistas, blogueiros, e afins, que se consideram de "esquerda", solidários com o povo, com os trabalhadorers, etc, viajam tanto na maionese. E olha que criticam tanto a mídia golpista que "sem saber" (será?) reproduzem um montão de asneiras, idéias prontas, e da própria "elite" que dizem combater.

Nesse caso do golpe de Honduras (não podia ser diferente) também comeram a maior bola, e continuam, claro, não dá pra mudar o perfil assim tão rápido.

Logo que estorou o golpe (expulsão de Zelaya) vimos diversos apelos denunciando o golpe, que não se faz isso, que é um atentado á democracia, etc (principalmente da chamada mídia alternativa, desse pessoal que citei acima).
Até aí tudo bem, muito bom que tenhamos pessoas que denunciem e nos ajudem a combater os golpistas, etc.
Mas no geral, (não todos) esse pessoal "solidário", conforme ia seguindo o golpe e os dias, começaram a defender o fim do golpe, mas com uma posição que não tinha e não tem, nenhuma relação com a realidade, nem com o que realemente aconteceu e acontece em Honduras.

Muita gente bem intencionada, a cada notícia da grande mídia e de outras "alternativas", chegavam ao ponto de comemorar que "o Obama declarou estar contra o golpe", que "o Lula também disse estar contra", a OEA, a ONU, que "agora sim os golpistas estão ferrados, pois o mundo [sic] estava contra eles".
Bem, só isso já é de amargar, impressionismo à esta altura do campeonato, ainda mais em relação ao Imperialismo, OEA, discursos de presidentes, diplomatas, etc. É o fim da picada para quem pretende ser alternativa de jornalismo (imprensa em geral), pior se almeja ser formador de opinião mesmo.

Não víamos nenhuma palavra ou chamada ao povo se levantar, se defender, de lutar contra os golpistas, de forma independente, sem ter que acreditar ou ficar esperando que os políticos de sempre, ou de outros países, fossem socorrê-los.
Vimos que nada disso ocorreu, e quem paga sempre com estes "vacilos", com estas "esperanças", com as "negociações", é sempŕe o povo, os trabalhadores, os movimentos sociais, etc.

Depois de alguns dias veio à publico, através do próprio embaixaador norte-americano, suas ligadções com os golpistas.
E aí vimos uma retração, quase um sumiço, de repente, das notícias e dos apoios de muita gente que acreditavam na saída (fim) do golpe pelas mãos de Obama, Lula, etc.
Envergonhados de tanta inocência, pararam de dar palavras de apoio contra o golpe. Foram se soltando aos poucos, chamando apoio ao povo hondurenho, à sua luta, bom, menos mal, já avançou.

Mas a lição que fica, é realemte essa, também e muito bem colocada no post acima, de que a saída para os sofrimentos, repressão, miséria, vivida por qualquer povo, trabalhadores, não virá da mão dos seus algozes ou de seus representantes (Obama, Zelaya, etc).

Por hora, fico por aqui, abraço.
E viva a luta do povo hondurenho! E do povo iraniano também! Povos de todo o mundo, uni-vos!

Raphael Tsavkko Garcia disse...

Haha, pode elogiar!=)

A Le Monde Diplomatique que chegou ontem nas bancas tem uma análise muito boa sobre a participação dos EUA - como sempre, Negroponte - no golpe de Honduras...

Ao menos o Obama manteve a postura de não reconhecer, o que dá força ao Zelaya, mesmo sem ser uma ajuda. Mas com a mudança de postura a coisa complica e os neocons ganham de vez.

Sabe, o Obama em si pode até ter sido passado pra trás pelos neocons mas, nunca vamos saber. O que não dá é achar que a condenação dos EUA ou a ridícula do Lula valem de alguma coisa.

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