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quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O Cáucaso Norte e a falência das ideologias e da repressão

Cáucaso Norte, também conhecido como Cáucaso Russo. Nesta região de extrema diversidade étnica convivem as repúblicas da Chechênia, Ingushétia, Daguestão, Karatchaievo-Tcherkássia e Kabardino-Balkária, todas de maioria islâmica, além da Ossétia do Norte, de maioria cristã-ortodoxa. A região é historicamente conflituosa: ossetas e ingushes já entraram em guerra por questões de fronteira (1991, na esteira do fim da URSS), os chechenos já protagonizaram duas guerras sangrentas com os russos (1994-97 e 1999-2000), e o Daguestão vive em constante conflito interno, mas um novo fator de tensão vem surgindo na região.

A resistência à ocupação russa se deu estritamente em bases étnico-linguísticas e na história independente desses povos em relação à Rússia, porém, nos últimos anos, particularmente depois do 11 de setembro e da derrota chechena nas duas guerras contra a Rússia, o terrorismo de viés islâmico, salafista e com suposto apoio da Al-Qaeda, vem crescendo de forma assustadora.

Em meio à resistência e guerrilhas chechenas é possível encontrar um enorme contingente de muçulmanos de países do Golfo engajados na luta pela criação não mais da República Chechena de Ichkeria, islâmica mas moderada, e sim do Califado do Cáucaso, comprimindo todas as repúblicas islâmicas – ou não – da região.

Ao mesmo tempo em que cresce a repressão contra os ativistas de direitos humanos, crescem também os ataques a "autoridades" russas ou cooptadas pela Rússia na região. O caso mais notável foi o ataque à bomba que quase tirou a vida do presidente da Ingushétia, Yunus-Bek Yevkurov, em junho de 2009, mas os ataques e assassinatos continuam e são cada vez mais audaciosos.

A Chechênia e o Daguestão

Desde que assumiu a presidência da República Autônoma da Chechênia (em 2007), indicado por Putin – que havia abolido qualquer tipo de eleição para a presidência de repúblicas autônomas –, Ramzan Kadyrov vem promovendo uma escalada de violência sem precedentes na região. Inegavelmente este homem é um dos maiores responsáveis pelo completo descontrole na região.

Kadyrov, um ex-rebelde que traiu a causa nacionalista e assumiu a presidência após o assassinato de seu pai, presidente – nacionalista – da Chechênia nos anos 1990, é conhecido por sua brutalidade e violência extrema no trato com rebeldes e qualquer um que o afronte ou o desagrade. Ele é tido como responsável por perseguições, torturas e assassinatos diversos, como os das ativistas de direitos humanos Natalya Esterminova, Anna Politkovskaya e do advogado Stanislav Markelov. Um dos episódios mais marcantes da sua trajetória na presidência chechena foi a encomenda do assassinato de seu ex-guarda-costas, Umar Israilov, que vivia no exílio na Áustria e se dedicava a denunciar seu ex-chefe.

Junto com o problema das guerrilhas islâmicas, no Daguestão há ainda a questão do conflito inter-étnico entre as dezenas de minorias que habitam a república, que está longe de ser homogênea. Sob o mesmo teto convivem ávaros, lezgins, kumyks, russos, laks, e mais outra dezena de grupos minoritários, nenhum dos quais tem uma maioria significativa. Além disso, é válido notar que, ao longo da história, estes nunca foram grandes amigos.

O Daguestão é uma república artificial que agregou povos díspares sob uma mesma administração repressiva e um número impressionante de forças de segurança. Já em Kabardino-Balkária e Karatchaievo-Tcherkássia é visível o aumento das ações de grupos islâmicos. A perseguição a clérigos independentes e a ideia de que todo islâmico é um fanático em potencial – ou seja, a promoção de perseguições, prisões, tortura e assassinados de "elementos perigosos" – acabou por criar, de fato, este inimigo em lugares jamais imaginados anteriormente.

A raiz do conflito

Obviamente esta onda de violência e o crescimento do radicalismo islâmico na região possui razões várias. Em primeiro lugar, as sucessivas derrotas (ou o não cumprimento de seus objetivos) das guerrilhas e da resistência local ao longo dos anos 1990. Mas não só, também o fracasso generalizado dos grupos de orientação marxista ou similar por todo o Oriente Médio e proximidades (notadamente na luta Palestina, como Fatah, FPLP etc).

O fracasso dos regimes "pan-arabistas" no período 1960-1980, culminou com o surgimento e crescimento de grupos de caráter islâmico militante como Hizbollah, Hamas e o crescimento acelerado da Irmandade Muçulmana até, enfim, Talibã e Al-Qaeda. Ou seja, a ideia de guerrilha com viés de esquerda, majoritariamente laica, não "funcionou", ou ao menos esta é a visão corrente e propagada.

Em segundo lugar, Txente Rekondo, do Gabinete Basco de Análises Internacionais (GAIN), na página do Rebelion.org em 2009, aponta “o desemprego, a corrupção, a brutalidade policial, todos eles temperados com grandes doses de impunidade, os importantes bolsões de refugiados e deslocados” como “alguns dos fatores locais que fornecem altas doses de desestabilização à situação”.

Juntando estes dois momentos, a falência da ideologia dominante nos anos 1960-1980 e o aumento da repressão em conjunto com problemas estruturais e também advindos dos anos de conflito, temos o campo perfeito para a disseminação de uma ideologia extremista que deturpa os ensinamentos islâmicos e os utiliza como arma de ódio para a criação não de uma república baseada não mais no componente étnico local, mas na religião.

Cabe ainda uma terceira razão ou elemento, reflexo da Guerra ao Terror criada pelos EUA, a globalização/internacionalização dos grupos terroristas com o objetivo de angariar maior apoio, melhorar a logística e conseguir maior visibilidade. Com o surgimento da Al-Qaeda e de grupos de caráter islâmico, a solidariedade e alcance entre eles cresceu de forma assustadora. Se até o começo dos anos 1990 mal se ouvia falar em "terrorismo islâmico" – ainda que por vezes o termo seja absolutamente mal empregado – hoje em dia esta é a única expressão que se ouve.

Para além do perigo real do fanatismo religioso – que não é exclusividade islâmica – existe uma enorme máquina de propaganda, controlada notadamente por Israel e pelos EUA. Em muitos casos torna-se difícil definir o que é exatamente o “terrorismo islâmico” e quando um determinado ataque pode ser caracterizado como “terrorista”.

A internacionalização do que se convencionou chamar de terrorismo, porém, não é nova. Já nos anos 1960-1970 a ETA, a Fração Exército Vermelho (Baader-Meinhof) e outros grupos treinavam lado a lado com grupos palestinos e deles recebiam financiamento. Guerrilheiros brasileiros treinavam em Cuba e assim por diante.

O mito do “terrorismo islâmico”

O que parece novo é a suposta centralidade ideológica ou de ação na Al-Qaeda. Até onde isto é verdade não se sabe, mas as agências de inteligência costumam ligar a Al-Qaeda a quase todo tipo de ação coordenada islâmica. A mera presença de elementos árabes lutando junto à guerrilha islâmica chechena foi suficiente para que a máquina de propaganda russa logo anunciasse que a Al-Qaeda estava presente e que a resposta deveria ser à altura, ou seja, sangrenta. Até onde existe esta influência não se sabe.

O cientista político Robert Pape analisou – por meio das biografias e de entrevistas com familiares –, entre 1982 e 1986, 38 dos 41 "terroristas" suicidas do Hizbollah, um dos bastiões do que chamam de “terrorismo islâmico”. O senso comum diria que todos foram ataques cometidos por "militantes islâmicos" quando, na verdade, apenas 8 eram efetivamente “fundamentalistas” religiosos; 27 eram de grupos de esquerda (logo, não poderiam ser considerados militantes islâmicos) e 3 eram cristãos.

Ou seja, muitas vezes o que se trata por "terrorismo islâmico" é uma deturpação completa. Assim como a ideia de que absolutamente tudo é ação da Al-Qaeda e de supostas ramificações.

Sabe-se que representantes no exílio da República Chechena da Ichkeria estão tentando entrar em acordo com o líder linha-dura dos islâmicos para frear a onda de violência na região. O pior dos cenários, vale sempre lembrar, é de uma luta não só da resistência chechena contra a Rússia, mas entre as facções dos próprios chechenos, entre laicos e islâmicos, o que apenas contribuiria para uma piora na já frágil situação dos direitos humanos na região.

A receita do Kremlin de menos democracia e mais repressão vem demonstrando ser catastrófica. A imposição de Kadyrov ao povo checheno e de Yevkurov na Ingushétia (ainda que no lugar de um carniceiro odiado), não ajudaram a conquistar a população local, muito pelo contrário. Conjugando os fatores históricos e conjunturais já analisados com o crescimento da repressão russa sobre suas minorias, e o assassinato indiscriminado de opositores e ativistas, teremos no Cáucaso uma região prestes a explodir ou, na verdade, já explosiva e incontrolável, por maiores que sejam os esforços russos que, como se sabe, são esforços mal direcionados e desesperados.

Por fim, vale ainda lembrar que a recente intervenção russa na Geórgia (já no Cáucaso Sul) para "libertar" a Ossétia do Sul e Abkházia não contribuiu para acalmar os ânimos da região; na verdade, serviu apenas para demonstrar a hipocrisia da Russa e aumentar ainda mais a força dos ataques e o sentimento nacionalista das minorias.

A única conclusão possível é a de que as políticas russas para o Cáucaso Norte são, no mínimo, ineficazes e, mais ainda, são as grandes responsáveis ou pelo menos uma das responsáveis pelo crescimento do terrorismo dito islâmico na região, da resistência feroz e violenta e da mudança de paradigma da resistência na região.

Artigo publicado na Revista Fórum, número 94, de Janeiro de2011, nas bancas!
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quinta-feira, 1 de abril de 2010

Os ataques ao metrô de Moscou, ao Daguestão e a Guerrilha Islâmica

Ao contrário do senso comum e das intenções Russas, os culpados pelas explosões tanto no metrô Russo quanto no Daguestão, que, juntas, vitimaram mais de 50 pessoas - dentre civis inocentes e militares -, não são os radicais comandados por Doku Umarov e seu grupo que propõe a criação de um Califado Islâmico no Cáucaso Norte, nem os moderados que pregam a formação da República da Chechena Ichkeria, comandados por Akhmed Zakayev.

A culpa, sem dúvida alguma, é de Putin. De Putin e de sua política para a região. 


Os problemas locais datam desde a conquista pelos Czares, no século XIX, mas o que vemos hoje é resultado direto da política de confrontação e de alianças com figuras nefastas iniciadas ou ao menos desenvolvidas por Putin.

“É preciso admitir que muitos dos problemas no norte do Cáucaso não estão relacionados nem ao governo de Boris Yeltsin nem ao de Putin”, diz Nikolai Petrov, do Centro Carnegie de Moscou. “Eles têm raízes mais profundas, por exemplo, na forma como o Cáucaso foi subjugado no passado pelos tsares”.
Por outro lado, observa Petrov, há anos o Kremlin não trabalha no sentido de encontrar uma solução fundamental para o conflito e carece de uma estratégia convincente para lidar com o problema. “Foi importante, especialmente para Putin, ser capaz de exibir rapidamente um sucesso no norte do Cáucaso no final do primeiro mandato”, disse Petrov. “Foi por isso que ele se envolveu com o clã Kadyrov”.
Ramzan Kadyrov assumiu o poder depois que o seu pai, Akhmad, que era o presidente da Tchetchênia, foi assassinado. Ele é conhecido por perseguir brutalmente os seus oponentes e é ele próprio suspeito de desejar maior autonomia para a região. Ele sugeriu recentemente que Moscou não deveria enviar forças policiais de outras partes da Rússia para a Tchetchênia, supostamente devido aos custos envolvidos.
Kadyrov, que é odiado tanto pela oposição moderada quanto pelos islamitas, e que é temido pelos ativistas dos direitos humanos, é atualmente um obstáculo para a maior estabilização e pacificação na região, acredita Petrov. O norte do Cáucaso está frágil como nunca, diz ele. “Há muita gente descontente lá, bem como muitas armas e muitos indivíduos que sabem como usar explosivos”.
“Nós esperamos que ataques como esse no metrô de Moscou não aconteçam novamente”, diz Petrov. “Mas essa é uma expectativa meio ingênua”.

 "Mas não foi ele quem colocou as bombas!", dirão alguns. De fato. Mas incitou e tornou a situação insustentável. No meu artigo "O mito da estabilidade no Cáucas Norte", tratei um pouco da situação política regional, expondo as razões pelas quais o "terrorismo" encontrou campo fértil na região marcada por conflitos étnicos ancestrais. 

Conflitos exacerbados pela criação artificial de repúblicas autônomas que, na verdade, acabaram por acirrar ainda mais os ânimos, opondo grupos étnicos que não necessariamente se dão, seja por motivos históricos ou pontuais - caso dos Kabardinos e dos Balkars na República de Kabardino-Balkária ou dos Lezgins com Kumyks e Ávaros no Daguestão.


Mas, sem dúvida, o maior dos problemas atuais seja, acima de tudo, a indicação dos presidentes das repúblicas - e das demais regiões - por parte do presidente, do executivo Russo e não a eleição através de um processo minimamente democrático. Basicamente, é Putin (e seu colega Medvedev) quem indicam o governante dos Chechenos, dos Ingushes, dos Kabardino-Balkares, dos Tártaros e assim por diante. Um sistema antidemocrático que acirra ainda mais os ânimos.
Em Kabardino-Balkária e Karatchaievo-Therkássia é visível o aumento das ações de grupos islâmicos em regiões antes relativamente calmas. A perseguição à clérigos independentes e a idéia de que todo islâmico é um fanático em potencial – ou seja, a promoção de perseguições, prisões, tortura e assassinados de “elementos perigosos” – acaba por criar, de fato, este inimigo em lugares jamais pensados antes.
O caso checheno é emblemático. Ramzan Kadyrov sucedeu seu pai, Akhmat Kadyrov, no governo Checheno. Vemos a criação deu ma dinastia comandada pelos Kadyrov que, dentre outras, são acusados de sequestro, assassinatos, torturas... Ler sobre a Chechênia é ler sobre um buraco negro onde desaparecem ativistas de direitos humanos, opositores... Sem qualquer investigação ou justificativa válida.

É apenas um exemplo, mas pode ser aplicado à Ingushétia, com a indicação de Yunus-Bek Yevkurov, que já foi vítima de um atentado que quase tirou sua vida.

Enfim, estamos falando de movimentos nacionalistas - especialmente no caso Checheno - que lutam há décadas por independência e que, graças à constante repressão, passaram a adotar posições cada vez mais radicais e, nos últimos tempos, tem estado ligados ao fundamentalismo islâmico pela falha - em suas visões - das vias tradicionais de luta. O movimento Checheno nem sempre teve características de "terrorismo islâmico":
Obviamente esta onda de violência e este crescimento do radicalismo islâmico na região não vem de graça, as razões são duas principalmente:
Em primeiro lugar, as sucessivas derrotas (senão a não complitude de seus objetivos e de suas reformas) das guerrilhas e da resistência local ao longo dos anos 90, mas não só, também o fracasso generalizado dos grupos de orientação marxista ou similar por todo o oriente médio e proximidades (notadamente na luta Palestina, como Fatah, FPLP, FDLP, etc), além do fracasso dos regimes “pan-arabistas” ao longo dos anos 60, 70 e 80 que culminaram com o surgimento e crescimento de grupos de caráter islâmico militante, como Hizbollah, Hamas e o crescimento acelerado e proeminência da Irmandade Muçulmana até, enfim, Talibã e Al Qaeda.
É impossível analisar a região separadamente do "mundo islâmico" e também separar a reação das guerrilhas e suas guinadas - em caso geral -  à repressão constante por parte do governo Russo. Acuados, adotam posições mais e mais radicais e vão se afastando das ideologias que "perderam" das "emergentes". É um movimento natural e compreensível. Radicalismo se combate com radicalismo.

Enfim, questão principal deste artigo é apenas demonstrar que os ataques perpetrados no metrô de Moscou e no Daguestão, por mais sangrentos e repreensíveis - ao menos no primeiro caso em que as vítimas e alvos eram basicamente civis - que possam ser, fazem sentido dentro de um quadro maior, quando se analisa a gênese e o desenvolvimento do conflito no Cáucaso.

Os ataques vêem em um período de crescente repressão, não só contra a população da região do Cáucaso, mas contra defensores dos direitos humanos que buscam denunciar os abusos - caso de.... - e também uma maior perseguição de elementos considerados perigosos, de guerrilheiros e líderes regionais.
A única conclusão possível é a de que as políticas Russas para o Cáucaso norte são, no mínimo, ineficazes e, mais ainda, são as grandes responsáveis ou pelo menos uma das responsáveis, pelo crescimento do terrorismo dito islâmico na região, da resistência feroz e violenta e da mudança de paradigma da resistência na região.

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domingo, 2 de agosto de 2009

O Mito da Estabilidade do Cáucaso Norte (Trezentos)

Post originalmente publicado no blog colaborativo Trezentos no dia 29 de julho.

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Esta é minha primeira postagem no Trezentos e este artigo busca ser um complemento ao post de ontem sobre a situação específica da Ingushétia e Chechênia que pode ser encontrado em meu blog neste link.

O post conta também com acréscimos de outro artigo sobre a Rússia de minha autoria, mais especificamente sobre a Máfia que tomou conta da Rússia e que vem sistematicamente assassinando ativistas de direitos humanos.

O título deste post é o mesmo da análise de Txente Rekondo, do Gabinete Basco de Análise Internacional (GAIN) que usei como base para escrever este artigo.

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Cáucaso Norte

Nesta região de extrema diversidade étnica convivem as repúblicas da Chechênia, Ingushétia, Daguestão, Karatchaievo-Tcherkássia e Kabardino-Balkária, todas de maioria islâmica, além da Ossétia do Norte, de maioria Cristã. A região é historicamente conflituosa, Ossetas e Ingushes já entraram em guerra por questões de fronteira, os chechenos já protagonizarma duas guerras sangrentas com os russos, o Daguestão vive em constante conflito étnico mas, nos últimos anos, um novo fator de tensão vem surgindo na região.

Ao longo da história a resistência à ocupação russa se deu estritamente em bases étnico-linguísticas e na história diferenciada e independente desses povos em relação à Rússia mas, nos últimos anos, e em especial depois do 11 de setembro e da derrota chechena nas duas guerras, o terrorismo de viés islâmico, Salafita, vem crescendo de forma assustadora.

Em meio à resistência e guerrilhas chechenas é possível encontrar um enorme contingente de muçulmanos de países do golfo engajados na luta pela criação não mais da República Chechena de Ichkeria, islâmica mas moderada, mas no Califado do Cáucaso.

Ao mesmo tempo em que cresce a repressão contra os ativistas de direitos humanos da região, crescem também os ataques à "autoridades" Russas ou cooptadas pela Rússia na região. O caso mais notável foi o ataque à bomba que quase tirou a vida do presidente da Ingushétia, Yunus-Bek Yevkurov, mas os ataques e assassinatos continuam e são cada vez mais audaciosos.

Até mesmo regiões relativamente calmas - se comparadas à Chechênia, Daguestão e Ingushétia - como a Kabardino-Balkária e Karatchaievo-Therkássia começam a assistir episódios de violência sectária.

Ramzan Kadyrov

Desde que assumiu a presidência da República Chechena, Ramzan Kadyrov vem patrocinando uma escalada de violência sem precedentes na região. Inegavelmente este homem é um dos maiores responsáveis pelo completo descontrole na região. Ramzan Kadyrov, filho de Akhmad Kadyrov, é um ex-rebelde que traiu a causa nacionalista e assumiu a presidência após o assassinato de seu pai, na época o presidente da Chachênia, nomeado por Putin.

Akhmat Kadyrov, pai de Ramzan Kadyrov foi o Mufti da República Chechena de Ichkeria, durante os anos noventa e durante e depois da Primeira Guerra Chechena. Já na época da Segunda Guerra Chechena, Kadyrov pai resolveu mudar de lado e apoiar o governo russo contra seus conterrâneos chechenos até que, em 2003, foi empossado como presidente por Putin, em troca de seus favores - delação, tortura, perseguição e mortes.

Kadyrov filho não é muito diferente de seu pai, também é conhecido por sua brutalidade e violência extrema no trato com rebeldes, pseudo-rebeldes e qualquer um que o afronte ou o desagrade, sendo responsável por perseguições, torturas e assassinatos diversos, como os das ativistas Natalya Esterminova, Anna Politkovskaya e do advogado Stanislav Markelov.

Um dos episódios mais marcantes da trajetória de Kadyrov na presidência Chechena - além do personalismo e brutalidade - foi a encomenda d o assassinato de seu ex-guarda-costas, Umar Israilov, que vivia no exílio na Áustria e se dedicava a denunciar seu ex-chefe. Agentes chechenos foram enviados para matá-lo, nada além de uma simples queima de arquivo.

Para mais informações sobre a situação dos direitos humanos e do assassinato de ativistas, vale uma olhada neste link.

Obviamente esta onda de violência e este crescimento do radicalismo islâmico na região não vem de graça, as razões são duas principalmente:

Em primeiro lugar, as sucessivas derrotas (senão a não complitude de seus objetivos e de suas reformas) das guerrilhas e da resistência local ao longo dos anos 90, mas não só, também o fracasso generalizado dos grupos de orientação marxista ou similar por todo o oriente médio e proximidades (notadamente na luta Palestina, como Fatah, FPLP, FDLP, etc), além do fracasso dos regimes "pan-arabistas" ao longo dos anos 60, 70 e 80 que culminaram com o surgimento e crescimento de grupos de caráter islâmico militante, como Hizbollah, Hamas e o crescimento acelerado e proeminência da Irmandade Muçulmana até, enfim, Talibã e Al Qaeda.

Ou seja, a idéia de guerriha com viés de esquerda, majoritariamente laica, não funcionou, ou ao menos esta é a visão corrente e propagada. Junte à isso as derrotas na própria região dos movimentos nacionalistas, e temos um problema. Se a ideologia fracassou, como voltar a agregar, a unir esforços em prol da independência?

Em segundo lugar o artigo do GAIN dá a deixa:

"El desempleo, la corrupción, la brutalidad policial, aderezado todo ello con grandes dosis de impunidad, las importantes bolsas de refugiados y desplazados son algunos de los factores locales que aportan mayores dosis de desestabilizad a la situación. La sensación entre buena parte de la población de que el ejército y la policía tienen vía libre para cometer todo tipo de atropellos contra la disidencia, empuja a muchos jóvenes a sumarse a los movimientos guerrilleros."

Juntando estes dois elementos, a falência da ideologia dominante os anos 60 aos 80 e o aumento da repressão, em parte pela própria ineficiência dos movimentos nacionalistas, or parte da Rússia, no caso estudado, temos o campo perfeito para a disseminação de uma ideologia extremista que deturpa os ensinamentos islâmicos e o utiliza como arma de ódio para a criação não mais de uma república baseada no componente étnico local, mas na religião, nos mandamentos supostos de deus.

Cabe ainda uma terceira razão ou elemento, a possibilidade de internacionalizar a luta e angariar maior apóio, melhorar a logística e conseguir maior visibilidade. Com o surgimento da Al Qaeda e de grupos de caráter islâmico a solidariedade e alcance entre eles cresceu de forma assustadora; Se até o começo dos anos 90 mal se ouvia falar em "terrorismo islâmico" - ainda que por vezes o termo seja absolutamente mal empregado, usado como arma de propaganda - hoje em dia é basicamente tudo que se houve.

Para além do perigo real do fanatismo religioso - que não é exclusividade islâmica - existe uma enorme máquina de propaganda por trás, controlada notadamente por Israel e pelos EUA.

akhmed-zakayev

Akhmed Zakayev, Primeiro-Ministro da República da Chechênia Ichkeria

Da Rferl chega a notícia de que representantes no exílio da República da Chechênia Ichkeria estão tentando entrar em acordo com o líder linha dura dos islâmicos para frear a onda de violência na região. De um lado o Primeiro Ministro no exílio Akhmed Zakayev e do outro Doku Umarov, líder da resistência mais radical.

Isto demonstra, por A mais B, a situação da região, de enfraquecimento das estruturas laicas tradicionais por uma resistência armada islâmica e radical.

"Zakayev reported at length to the Berlin meeting on the content of his talks with Abdurakhmanov, specific details of which have not been disclosed. The Berlin meeting unanimously endorsed that dialogue as an opportunity to bring to an end the continuing killing of Chechens by fellow Chechens, specifically, members of the die-hard Islamic resistance headed by Doku Umarov and pro-Moscow Chechen Republic police.Expressing concern at the escalation of hostilities in recent months in Chechnya and elsewhere across the North Caucasus, the participants agreed unanimously to issue orders to the resistance units loyal to the ChRI to announce a moratorium on attacks on pro-Moscow Chechen police, and to resort to arms only in self-defense.

Since it is impossible to estimate how many of the resistance fighters currently active in Chechnya take their orders from Zakayev, rather than from Umarov, it is not clear what impact, if any, that decision will have on the ongoing fighting. Indeed, the proposed moratorium plays into Kadyrov's hands insofar as he could argue that any resistance forces that continue to target his men must be Umarov's "bandits," and that he is justified in eliminating them without mercy as he vowed to do two months ago. "

Ainda que sobre assunto completamente diverso, este trecho de uma antiga postagem minha ilustra bem como funciona a máquina de propaganda contra um suposto "terrorismo islâmico" que, por vezes, não corresponde nem ao começo da verdade:

"Acabei de encontrar o artigo que trata sobre o assunto dos três últimos parágrafos. O autor em questão é Robert Pape que analisou - através das biografias e de entrevistas com familiares dos suicidas -, entre 1982 e 1986, 38 dos 41 "terroristas" suicidas do Hizbollah.

Qualquer jornalista formado (desculpem a generalização) , diria que foram todos ataques cometidos por "militantes islâmicos" quando, na verdade, apenas 8 eram fundamentalistas islâmicos, 27 eram de grupos de Esquerda (logo, não poderiam ser encarados como militantes islâmicos) e 3 eram, vejam só, cristãos!"

Ou seja, muitas vezes o que se trata por "terrorismo islâmico" é uma deturpação completa da verdade.

Mas, voltando ao Cáucaso, é fato notar o crescimento da tensão na região, quase de forma insustentável. A receita do Kremlin de menos democracia e mais repressão vem demonstrando ser catastrófica. A imposição de Kadyrov ao povo Checheno, um notório traidor do povo, e de Yevkurov na Ingushétia, um general Russo (ainda que ele próprio Ingushe e no lugar de um carniceiro odiado) não ajudaram a conquistar a população local, muito pelo contrário, só reafirmou que o Kremlin, em consequência, Putin e Medvedev, não tem qualquer compromisso com a democracia e não respeita o direito de escolha das minorias.

Não só isto é uma verdade, como ficou irrefutavelmente comprovada com a nova política educacional russa de acabar com a autonomia das repúblicas no ensino de suas línguas, cultura e história. Agora, apenas o Russo será usado e qualquer resquício de cultura tradicional das minorias será vetado.

Se juntarmos o fracasso da guerrilha tradicional, o crescimento da solidariedade e da influência dos movimentos islâmicos pelo mundo afora, a imposição e brutalidade Russas, a supressão de qualquer direito, seja educacional, seja cultura, para as minorias e, por fim, a violência com que são recebidos os ativistas de direitos humanos no país, tornam o Cáucaso uma região prestes a explodir ou, na verdade, já explosiva e incontrolável, por maiores que sejam os esforços russos e, como se sabe, são esforços mal direcionados, desesperados e burros.

No caso específico checheno notamos, porém, uma grande autonomia por parte do governo local, comandando pelo carniceiro Kadyrov, mas esta autonomia é utilizada como passe livre para repressão, perseguições, tortura e violência extrema, tudo sob os olhos atentos e coniventes do Kremlin.

ethnicMap

No Daguestão, junto com o problema das guerrilhas islâmicas temos ainda a questão do conflito interétnico entre as dezenas de minorias que habitam a república que não é, nem de longe, homogênea.

Sob o mesmo teto convivem Ávaros (a frágil maioria), Lezgins, Kumyks, Russos, Laks, Tabasarans, Azeris e mais outras dezenas de grupos minoritários, nenhuma delas tendo uma maioria significativa ou sequer tendo 1 milhão de membros. Além disso é válido notar que estes nunca foram, ao longo da história, melhores amigos. O Daguestão é uma república extremamente artificial que agregou povos díspares sob uma mesma administração repressiva e um número impressionante de forças de segurança.

Em Kabardino-Balkária e Karatchaievo-Therkássia é visível o aumento das ações de grupos islâmicos em regiões antes relativamente calmas. A perseguição à clérigos independentes e a idéia de que todo islâmico é um fanático em potencial - ou seja, a promoção de perseguições, prisões, tortura e assassinados de "elementos perigosos" - acaba por criar, de fato, este inimigo em lugares jamais pensados antes.

Por fim, vale ainda lembrar que a recente intervenção Russa na Geórgia para "libertar" a Ossétia do Sul e Abkházia não contribuiu para acalmar os ânimos nacionalistas no Cáucaso Norte, na verdade, serviu apenas para demonstrar a hipocrisia Russa - pimenta nas repúblicas autônomas dos outros é refresco - e aumentar ainda mais a força dos ataques e o sentimento nacionalista das minorias, chegando até a ultrapassar o âmbito do Cáucaso.

A única conclusão possível é a de que as políticas Russas para o Cáucaso norte são, no mínimo, ineficazes e, mais ainda, são as grandes responsáveis ou pelo menos uma das responsáveis, pelo crescimento do terrorismo dito islâmico na região, da resistência feroz e violenta e da mudança de paradigma da resistência na região.

Post original: Trezentos

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quarta-feira, 29 de julho de 2009

O Mito da estabilidade do Cáucaso Norte

"Uma breve análise sobre a gênese e os desdobramentos atuais do conflito no Cáucaso Norte com ênfase na situação Chechena e Ingushe. Desrespeito aos direitos humanos e abusos são constantes numa das regiões mais conflituosas do mundo. O artigo busca ainda analisar o fenômeno do chamado “terrorismo islâmico” na região que veio a substituir ou pelo menos concorrer com os antigos movimentos nacionalistas."
Para o post completo, visitem o blog Trezentos!
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terça-feira, 28 de julho de 2009

Ingushetia, Chechênia e a Rússia atual

Este post deveria ter sido publicado há muito tempo mas continua atual, logo, ainda cabe sua publicação.

Serve, enfim, como introdução ao meu primeiro post no blog Trezentos, amanhã, sobre a situação do Cáucaso Norte como um todo em tempos de conflitos, insurgência islâmica em detrimento do antigo movimento nacionalista de cunho étnico das décadas passadas e repressão.

Este post, por outro lado, trata da troca de governante na Rep. Aut. da Ingushétia, saiu Zyazikov, entrou Yevkurov, ha coisa de 3-4 meses e da escalada de violência na região. Trata ainda da repressão contra a população Chechena comandada por Kadyrov e aplaudida pelo Kremlin.

A parte que ainda permanece relevante toca na sensível questão da falta de democracia nas Repúblicas Autônomas. Putin aboliu o processo de eleição direta para os governantes passando ele - e agora Medvedev - a indicar algum de seus protegidos para os cargos mais altos das repúblicas autônomas.

O que se vê é um movimento pensado e calculado para neutralizar e esmagar qualquer foco não só de resistência mas também tentar sufocar o sentimento nacional das minorias e destruir suprimir suas culturas, línguas e costumes.

O primeiro passo foi o fim das eleições diretas e a indicação vinda do Kremlin, o segundo passo a abolição do direito das repúblicas legislarem sobre seu sistema educacional, impondo o fim do ensino das línguas minoritárias, da cultura e da história dos povos não-Russos.

Em meio à tudo isso, constante repressão e perseguição, intimidação e assassinato de lideranças dos Movimentos Sociais, Sindicatos e de grupos de Direitos Humanos.
-------------------------Não é surpresa que a Ingushétia tenha chegado até o atual nível. Mafiosos colocados por Putin no poder tomaram conta tanto da Ingushétia quanto da vizinha Chechênia.

Agora Putin (ou Medvedev, na verdade não faz diferença) resolveu trocar o governador da Ingushetia, entra o coronel e herói Russo-Ingushe Yunus-Bek Yevkurov e sai o impopular Murat Zyazikov, depois deste ter sido acusado de ser o mandante do assassinato nas mãos da polícia local do repórter opositor Magomed Yevloyev, culminando com diversos protestos contra o governante.

Vale lembrar que, na Rússia, não existem mais eleições diretas para governador, desde que Putin, em 2004, as aboliu. Uma tentativa absurda de centralização do poder e diminuição da autonomia das mais diversas regiões e Repúblicas Autônomas que compõem o país.

Putin e sua máfia, obviamente, tomaram o poder de assalto. Não encontram qualquer resistência em nível federal e agora tampouco em nível regional.

Resistência meramente política, obviamente, apenas em "termos eleitorais", porque se conseguirem até certo ponto "pacificar" a Chechênia, colocando um verdadeiro genocida no poder que passou a eliminar de todas as formas possíveis a resistência Islâmica e não-Islâmica, o mesmo não aconteceu com a Ingushetia.

Por "pacificar" compreendam o óbvio, Kadyrov, presidente da Chechênia iniciou uma era de terror, de perseguições e repressão brutal e até certo ponto conseguiu diminuir a efetividade da resistência ao aplicar uma política de constantes abusos dos direitos humanos, invasões em casas durante a noite, tortura, intimidação e ataques frontais e orquestrados contra qualquer insurgente ou indivíduo que pareça insurgente - ou seja denunciado como tal, em um Estado-policial dominado pelo denuncismo e medo.

Na verdade, os "terroristas" apenas mudaram sua base de operações e contaram com a adesão de centenas de Ingushes insatisfeitos com sua situação de pobreza, exclusão e situação de opressão frente aos Russos.

Os Ingushes são parentes muito próximos dos Chechenos, é de se esperar um mínimo de solidariedade com a luta dos vizinhos. Soma-se a isso o desemprego e desilusão além da pobreza extrema da população e, por fim (em teoria, pois é difícil saber se este fator alimenta de forma decisiva ódio contra os russos) há o conflito latente entre Ingushes e Ossetas que remonta o séc. XIX, onde os primeiros se acham desprivilegiados pelos russos contra o segundo grupo, culminando com a anexação por parte da Ossétia do Norte de uma boa porção do território Ingushe ao longo dos anos.

O quadro para o surgimento e fortalecimento de grupos que pegam em armas contra o governo Ingushe e Russo é mais que propício.

Dentre os muçulmanos, especialmente após o fracasso dos projetos nacionalistas de cunho Socialista ou Pan-Arabista dos anos 60-80, houve um fortalecimento tremendo da religião como política, como arma e na Ingushétia e região do Cáucaso, de maioria Muçulmana, não seria diferente.

A resistência, dita terrorista, dos grupos minoritários à falta de democracia, condições de trabalho e vida e etc parece a única opção e não há como negar, em primeira vista, essa opção.

A única solução encontrada pelos governos, Ingushe, Russo e Checheno, é a franca repressão, as torturas nos porões das forças de "segurança" e a opressão ainda maior das minorias...

Até quando este cenário durará?

Dificil saber mas Putin e seu cãozinho Medveded, pelo jeito, esperam manter o povo Russo e demais minorias na coleira a todo custo. Jornais independentes são raridades, redes de TV independentes ou rádios livres são duramente censurados e a maioria obrigada a fechar e repórteres com o mínimo de isenção, como Yevloyev, Politkovskaia e etc são mortos sob circunstâncias "suspeitas", para dizer o mínimo, ainda que todos saibam os rais mandantes e as razões.

Por mais que seja visível uma melhora nas condições econômicas e sociais de uma boa parte da Rússia, em especial na região oeste, próxima às grandes cidades de Moscou e São Petersburgo e também nas regiões industriais dos Montes Urais, a atual crise mundial vem minando esse crescimento, o desemprego começa a ameaçar a indústria, várias cidades do interior russo começam a ver suas populações minguarem, o alcoolismo ainda é endêmico e não dá mostras de ceder e no Cáucaso a solução é a mais "simples": Oprimir, perseguir, censurar e, não dando certo, matar.
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